Aprendemos com um dos nossos maiores cantores: quem traz a vida na voz é capaz de fazer crescer uma flor sem limite. Em Ranho e sanha, o poeta e tradutor Guilherme Gontijo Flores parece partir desses versos de Caetano Veloso e perseguir, no tempo e no espaço, no ouvido e na imaginação, essa flor sem limite, esse fio infinito de cantos que se desdobram e nos envolvem desde que o primeiro de nós decidiu cantar — ou melhor, percebeu que sua voz era um canto e que, sem isso, não seríamos ‘nós’.
Os poemas exaltam e se inserem nesse coro formado por todos os cantores e cantoras que nos permitem viver outras vidas. Aqui, a voz do poeta se entretece às melodias — conhecidas e desconhecidas, implícitas e explícitas — de Enheduana a Safo, de Clementina a Belchior e Cartola, do Nirvana a seus parceiros do grupo Pecora Loca, dedicado a traduzir e performar poesia antiga, e, com uma declaração de amor às vozes que cantam — e ao que as vozes cantam —, nos faz lembrar das mais remotas origens desse cantar que é o poema.
Aliás, não é por acaso que esses poemas foram escritos por um poeta que é também um dos mais prolíficos e talentosos tradutores da atualidade: o que é um tradutor senão alguém que consegue ouvir o canto de outras línguas e o faz cantar na nossa? Enfim, se é verdade, como cantou o poeta baiano, que voz e vida não se separam, podemos dizer que Gontijo Flores faz versos para que nossos ouvidos se abram para toda a vida que canta ao nosso redor e dentro de nós. E mais ainda: para que soltemos a voz.
عن المؤلف
Nasceu em Brasília, em 1984. É poeta, tradutor e professor de latim na ufpr. Entre seus livros, destacam-se carvão : : capim (Editora 34, 2018), História de Joia (Todavia, 2019), Todos os nomes que talvez tivéssemos (Kotter/ Patuá, 2020) e Potlatch (Todavia, 2022). Recebeu os prêmios apca, Jabuti e Paulo Rónai por suas traduções, que incluem obras de Robert Burton, Sexto Propércio, Safo, Paul Celan e Rabelais.