Livro raro de uma das preciosidades mais bem guardadas da literatura brasileira, a carioca Chrysanthème (1870-1948), autora importante do início do século XX, uma das pioneiras ao levar as causas feministas para a literatura. Enervadas, um romance de 1922 , contém passagens de críticas veementes contra a submissão e os limites à liberdade reservados às mulheres, além de ser uma divertida crônica sobre as classes abastadas do Rio de Janeiro na República Velha.
Moderna e dona de ‚um temperamento inimigo da fixidez e da banalidade‘, a protagonista Lúcia recebe, no primeiro capítulo do livro, o diagnóstico médico de que é uma ‚enervada‘, categoria na qual a ciência da época reunia uma ampla gama de mulheres insatisfeitas. O plural do título se refere também às amigas de Lúcia, que considera suas semelhantes. A protagonista, no entanto, questiona o diagnóstico: ser ‚enervada‘ significaria apenas ter desejo de beijar esse médico, a quem confessa seus ‚gostos, sonhos e temperamentos‘? ‚Certamente que não‘, diz ela. ‚Isso é ser-se humano e mais nada.‘
O romance recua, em forma de diário, à vida amorosa da protagonista curiosa e sexualmente livre. Atraída pelos dotes de dançarino de um funcionário do Ministério do Exterior, casa-se com ele, mas logo se entedia e, ao ver-se explorada, segue-se a inevitável separação. Ao longo da narrativa, sucedem-se flertes e romances, entremeados por uma vida social intensa e algum consumo de morfina. Lúcia compartilha dúvidas e insatisfações com amigas fiéis: Maria Helena, lésbica; Laura, namoradeira em série; Magdalena, cocainômana; e Margarida, satisfeita mãe de muitos filhos.
Über den Autor
Chrysanthème é o pseudônimo da carioca Maria Cecília Bandeira de Melo Vasconcelos (1870-1948). A escritora, hoje praticamente desconhecida, é a autora de uma vasta produção literária nas décadas de 1920 e 1930, composta por romances, crônicas, livros infantis, peças de teatro e ensaios. Dos 16 livros que publicou, conservaram-se raros exemplares — como é o caso deste Enervadas, lançado em 1922, que, ao que tudo indica, nunca recebeu uma segunda edição. Na obra de Chrysanthème, destacam-se as personagens femininas que questionavam os papéis tradicionalmente impostos à mulher na sociedade da época.
Seu pioneirismo na escrita de mulheres no Brasil foi precedido pela mãe, Emília Moncorvo Bandeira de Melo, que assumiu, em O Paiz, sob o pseudônimo de Carmen Dolores, a coluna de crônicas de Machado de Assis. O pseudônimo Chrysanthème, que às vezes se apresentava como Madame Chrysantème, veio do popular romance homônimo do francês Pierre Loti, que ironicamente descrevia o amor de uma submissa gueixa.