Stephen Crane não chegou a completar 29 anos (1871-1900), mas teve uma vida extraordinária, suficiente para ser considerado um dos pais do romance moderno americano. Esta coletânea revela sua maestria também na narrativa curta, com três textos exemplares
Autor de um dos grandes clássicos da literatura dos Estados Unidos do século XIX, o romance O emblema vermelho da coragem, sobre a guerra civil americana, Crane se volta, nos contos que compõem a coletânea, à América profunda. No primeiro texto, O monstro, um homem negro que trabalha para um médico branco salva heroicamente o filho deste de um incêndio, mas o fogo o deixa desfigurado, provocando a rejeição dos habitantes de uma cidade pequena. Em sua simplicidade apenas aparente, a história pode ser lida como uma alegoria das relações raciais nos Estados Unidos, uma crônica de província ou um retrato da frivolidade moral. O hotel azul, conto antológico, vem em seguida. O enredo gira em torno de um estrangeiro que se vê numa mesa de jogo e adota um comportamento perigoso. A trama tematiza os riscos de ir contra a corrente num contexto de convenções espúrias. Finalmente, em As luvas novas de Horace, um garoto se mete numa briga, estraga suas luvas novas e teme a reação da mãe. É uma história que evoca o medo e as transgressões da infância.
Considerado um grande estilista, e incensado por autores como Joseph Conrad, Crane viveu num período de ampla diversidade literária em todo o mundo. Talvez por isso ele tenha sido classificado, por críticos e por outros autores, como representante de várias escolas: realista, naturalista, simbolista, impressionista e, para o escritor Paul Auster, autor de uma recente e alentada biografia de Crane, o primeiro dos modernistas de seu país.
Sobre el autor
Nascido em Newark, Nova Jersey, Stephen Crane (1871-1900) foi o mais novo de catorze filhos. Seu pai era pastor metodista e a mãe, escritora de tratados morais. Crane, contudo, se mostrou durante toda a vida um crítico das religiões. Ficou órfão de pai aos 9 anos e aos 10 já fumava e bebia – suspeita-se que os maus hábitos, mantidos durante toda a vida, tenham causado a morte precoce. Crane escrevia desde os 14 anos. Chegou a entrar na faculdade, mas abandonou-a depois de dois anos para morar em Nova York, trabalhando como jornalista freelancer. Frequentador tanto da vida boemia quanto de Bowery, região de cortiços, inspirou-se nas observações in loco para escrever seu primeiro romance, Maggie: a girl of the streets (1893), sobre uma garota que é obrigada a se prostituir.
O livro não trouxe conforto financeiro ao autor, que sobrevivia de colaborações para revistas e jornais. Por essa época ficou amigo de William Dean Howells, que o encorajava a escrever ficção. Em 1895 foram publicados o livro de poemas The Black Riders e o romance O emblema vermelho da coragem – sobre um soldado que foge da batalha mas supera a covardia –, que lhe trouxeram rapidamente fama internacional. Dois anos depois, o autor partiu para Cuba com o objetivo de cobrir como repórter a insurreição no país, mas o navio afundou durante a travessia. Crane e três tripulantes conseguiram remar um bote de volta ao litoral da Flórida.
Em seguida, ele cobriu a guerra greco-turca na companhia de sua mulher, Cora Taylor, empresária ex-dona de um bordel que se tornou uma das primeiras mulheres a exercer a função de correspondente estrangeira. A experiência na Grécia inspiraria o romance Active Service . Ao fim da guerra, o casal se estabeleceu em Oxted, na Inglaterra. Em 1898, o escritor viajou a Cuba para reportar a guerra hispano-americana. De volta à Inglaterra, seguiu-se uma vida social intensa – com a amizade dos escritores Joseph Conrad, Ford Madox Ford, H. G. Wells e Henry James – e bancarrota financeira. Foi nessa situação que morreu em 1900, de tuberculose agravada por sequelas de malária contraída em Cuba.