‘… A maior precaução será não escrever, mas aprender de cor, pois é impossível que os escritos não acabem por cair no domínio público. Por isso, para a posteridade, eu mesmo não escrevi sobre tais questões. Não há obra de Platão e jamais haverá uma. O que atualmente designa-se sob esse nome é de Sócrates, no tempo de sua bela juventude. Adeus e obedece-me. Tão logo tenhas lido e relido esta carta, queima-a.’
Platão, carta II, 314 c.
Esta é uma das obras mais consagradas de Jacques Derrida. Tomando como ponto de partida o diálogo do Fedro, de Platão, Derrida nos apresenta aquela que considera sua questão central: escrever é decente ou indecente? Trata-se, á primeira vista, de uma genealogia da escritura, no mito de Theuth, é apresentada como phármakon, uma medicina, um remédio. Ora, como nos faz notar o autor, phármakon é um termo ambíguo, de duplo sentido, podendo significar remédio ou veneno, podendo ser benéfico ou maléfico.
Mas como lidar com esta duplicidade de sentido, como ler nas camadas do texto platônico isto que não para de oscilar de um lado a outro? A escritura, ou o phármakon, apesar de ter sido apresentada como um remédio para a memória e a instrução, se revela, no entanto, nociva. Mas por quê? Ora, o que se parece ser de efeito maléfico na escritura é que ela pode e quer se colocar no lugar da fala, lugar que é, também, aquele do pai que fala, do responsável. Não será surpresa então, se a escritura for acusada de órfã, bastarda, semimorta e até mesmo de parricida… Mas esses são apenas alguns dos elementos da química utilizada por Derrida para fazer funcionar sua Farmácia. O jogo filosófico deve começar, então, quando o phármakon da escritura for articulado com a própria possibilidade da filosofia, possibilidade que é em si mesma ambígua, furtiva, sem fundo.
Table des matières
Kólaphos/ Kolápto, 7
1. FARMACEIA, 11
2. O PAI DO LÓGOS, 23
3. A INSCRIÇÃO DOS FILHOS: THEUTH, HERMES, THOT, NABÛ, NEBO, 35
4. O PHÁRMAKON, 49
5. PHARMAKEÚS, 79
6. O PHARMAKÓS, 93
7. OS INGREDIENTES: O DISFARCE; O FANTASMA; A FESTA, 101
8. A HERANÇA DO PHÁRMAKON: A CENA DE FAMÍLIA, 113
9. O JOGO: DO PHÁRMAKON À LETRA E DO CEGAMENTO AO SUPLEMENTO, 131
A propos de l’auteur
Jacques Derrida (El Biar, Argélia, 15 de julho de 1930 — Paris, 9 de outubro de 2004) foi um filósofo franco-magrebino, que iniciou durante a década de 1960 a Desconstrução em filosofia. Esta ‘desconstrução’, termo que cunhou, deverá aqui ser compreendido, tecnicamente, por um lado, à luz do que é conhecido como ‘intuicionismo’ e ‘construcionismo’ no campo da metamatemática, na esteira da obra de Brouwer e depois Heyting, ao qual Derrida irá adicionar as devidas consequências dos teoremas da indecidibilidade de Kurt Gödel e, por outro, a um aprofundamento critico da obra de Husserl, Heidegger e Levinas na ultrapassagem da metafisica tradicional que ele vai apresentar como sendo uma ‘metafisica da presença’.
Depois de ter lecionado na Sorbonne (1960-1964) e na École Normale Supérieure de Paris (1964-1984), Derrida foi Director de Estudos da École des Hautes Études em Sciences Sociales de Paris (1984-2003). Foi ainda membro fundador do Collège international de philosophie de Paris, sendo o seu primeiro director eleito.
A sua figura é diversas vezes alvo de ataques polémicos, sobretudo por autores que se reclamam da tradição ‘analítica’, pelas suas opções de escrita filosófica, em geral retomando opiniões expressas por John Searle na mídia, aquando da sua polémica durante os anos 80. Refere-se várias vezes também nestas polémicas os nomes de Alan Sokal e Jean Bricmont, embora estes autores nunca o tenham tratado especificamente, tendo-o apenas referindo em entrevistas nas mídias, como parte do que identificam de forma difusa como ‘pensamento francês’, o que não evitou que diversos jornalistas o tenham associado à polémica.
Derrida tornou-se professor convidado das mais prestigiadas universidades europeias e norte-americanas — como Johns Hopkins, Yale, Irvine, Cornell, Universidade de Nova Iorque, entre muitas outras. Foi-lhe igualmente outorgado o Doutoramento Honoris Causa por diversas universidades como a Cambridge, Columbia, The New School for Social Research, Essex, Leuven, Williams College, Universidade de Silesia, Universidade de Coimbra entre mais de uma outra dezena delas. Em 2002 foi nomeado para a Cátedra – Gadamer na Universidade de Heidelberg por designação expressa do próprio filósofo alemão. Foi membro estrangeiro honorário, desde 1985, da American Academy of Arts and Sciences e da Modern Language Association of America, assim como Presidente honorário do Parlement International de Écrivains. Exerceu profundo impacto nas mais diversas áreas das humanidades e ciências humanas, em especial nos campos da estética, teoria da literatura e filosofia do direito, e gerado debates decisivos com os pensadores mais importantes de sua época (Claude Lévi-Strauss, Michel Foucault, Searle, Paul Ricoeur, Jürgen Habermas, entre outros).