Em 1893, Lev Tolstói anotava em seu diário: ‘A forma do romance acabou’. Com isso o velho conde não queria dizer que estava no fim de suas forças. Muito pelo contrário: iniciava-se aí uma luta que levaria o autor de Guerra e paz e Anna Kariênina à criação de uma nova forma literária, com a concisão da novela, mas a abrangência e a multiplicidade de linhas narrativas dos seus grandes romances.
O resultado é Khadji-Murát, uma obra-prima redigida entre 1894 e 1905, publicada postumamente em 1912, e que se mostra de uma atualidade impressionante. Ambientada no Cáucaso, no front entre o exército russo de ocupação e a resistência armada dos povos islâmicos, ela acompanha – como num filme os movimentos do rebelde Khadji-Murát (1796-1852), empenhado na sobrevivência e na afirmação de seus valores. Em vinte e cinco capítulos curtos, a ação se desloca do campo tchetcheno para o russo e vice-versa, instaurando um jogo de perspectivas entre as duas culturas que torna o derradeiro livro de Tolstói um acontecimento revolucionário na sua estrutura e nos temas abordados.
O volume se completa com o ensaio ‘Tolstói: antiarte e rebeldia’, em que o tradutor Boris Schnaiderman, com base nos diários do autor e em extenso material crítico, faz uma síntese esclarecedora da vida e obra do escritor, destacando a posição ímpar que Khadji-Murát ocupa na sua produção.
A propos de l’auteur
Lev Nikoláievitch Tolstói nasce em 1828 na Rússia, em Iásnaia Poliana, propriedade rural de seus pais, o conde Nikolai Tolstói e a princesa Mária Volkônskaia. Em 1845, Tolstói ingressa na Universidade de Kazan para estudar Línguas Orientais, mas abandona o curso e transfere-se para Moscou e depois para Petersburgo. Em 1851 alista-se no exército russo, servindo no Cáucaso, e começa a sua carreira de escritor, publicando os livros de ficção Infância, Adolescência e Juventude em 1852, 1854 e 1857, respectivamente. De volta à Iásnaia Poliana, funda uma escola para os filhos dos servos de sua propriedade rural. Em 1862 casa-se com Sófia Andréievna Behrs, então com dezessete anos, com quem teria treze filhos. Os cossacos é publicado em 1863, Guerra e paz, entre 1865 e 1869, e Anna Kariênina, entre 1875 e 1878, livros que trariam enorme reconhecimento ao autor. No auge do sucesso, Tolstói passa a ter recorrentes crises existenciais, processo que culmina na publicação de Confissão, em 1882, onde o autor renega sua obra e assume uma postura social-religiosa que se tornaria conhecida como ‘tolstoísmo’. Mesmo assim, continua a produzir obras-primas como as novelas A morte de Ivan Ilitch (1886), A Sonata a Kreutzer (1891) e Khadji-Murát (1905). Espírito inquieto, foge de casa aos 82 anos de idade para se retirar em um mosteiro, mas falece a caminho, vítima de pneumonia, na estação ferroviária de Astápovo, em 1910.