Monstros são criaturas que escapam a tudo aquilo que imaginamos como o padrão natural do humano. Extraordinários, bizarros, gigantescos, minúsculos, cruéis, amáveis, violentos, mansos, fantásticos, esquisitos, eles podem ser também homens, mulheres e crianças que se transformam em vampiros, lobisomens, matintas, botos, mulas sem cabeça etc.
Há um elemento comum entre os tipos de monstros presentes nas mais diversas culturas: eles não se encaixam nos padrões vistos como normais por aquela sociedade. Assim, o que um determinado grupo social define como monstruoso diz muito sobre o que ele considera humano e desumano, natural e sobrenatural, normal e anormal – e cada grupo seguirá uma visão própria, portanto, o que é monstruoso para uma cultura pode não ser para outra.
É verdade que, em geral, achamos que os monstros ameaçam destruir a ordem social ou moral que organiza uma comunidade. São inúmeros os exemplos de mulheres que, ao afrontar o machismo vigente em certos grupos, foram retiradas da caixa da normalidade e associadas ao bestiário ameaçador dos monstros. Curiosamente, porém, às vezes os monstros cumprem a função de garantidores da ordem. Não é raro, por exemplo, que crianças questionadoras, agitadas, levadas ou resistentes ao sono sejam ameaçadas com histórias terríveis de monstros que podem puni-las por esses comportamentos.
Visagens, para o imaginário fantástico, são aparições que escapam àquilo que definimos como realidade: fantasmas, espíritos de mortos, seres de outro mundo, miragens do futuro, bolas de fogo correndo pelas ruas, mulheres de branco que aparecem nas portas de cemitérios e em banheiros de colégios.
Monstros e visagens fazem parte do grupo das assombrações, assim como tudo aquilo que não se vê, mas se sente ou escuta: as janelas e portas que se abrem sozinhas, um assobio vindo de um lugar onde não se vê vivalma, uma gargalhada inusitada, um pio de coruja cortando o silêncio da noite, um piano que toca sozinho, a voz que canta em um teatro vazio, o arrepio que faz a gente acender a luz no meio da madrugada.
Neste livro, proponho um passeio pelas culturas fantásticas do Brasil, apresentando às leitoras e leitores de todas as idades histórias de monstros, visagens e assombrações, sem a pretensão de definir o que é mito, lenda, folclore, mentira, verdade ou coisas do tipo. Isso fica por conta de quem lê.
A propos de l’auteur
Luiz Antonio Simas é historiador, professor, escritor e compositor. É autor de diversos livros de história e cultura popular, como ‘Dicionário da história social do samba’, escrito com Nei Lopes, vencedor do Prêmio Jabuti 2016 na categoria Livro de Não Ficção do Ano; ‘O corpo encantado das ruas’ (2019), ‘Umbandas: uma história do Brasil’ (2021) e ‘Crônicas exusíacas e estilhaços pelintras’ (2023). Pela Bazar do Tempo, publicou ‘Almanaque Brasilidades: um inventário do Brasil popular’ (2018), ‘Arruaças: uma filosofia popular brasileira’ (com Luiz Rufino e Rafael Haddock-Lobo) (2020) e ‘Santos de casa: fé, crenças e festas de cada dia’ (2022). Em 2014, por serviços prestados à cultura do Rio de Janeiro, recebeu o conjunto de medalhas da comenda Pedro Ernesto, conferido pela Câmara Municipal.