Tempo esquisito, novo livro da psicanalista Maria Rita Kehl, traz para o leitor um conjunto de reflexões e análises, em sua maioria feitas durante o período da quarentena da Covid-19: ‘Diante de tanta tristeza, escrever foi uma forma de ocupar o espaço do debate público sem romper o isolamento físico. Uma forma de estar com os outros’, conta ela no prólogo.
Nos textos, Kehl aborda temas recorrentes desde 2019 – início do mandato de Jair Bolsonaro na presidência –, como saúde pública, negacionismo, violência policial, indiferença e desigualdade social. Há artigos, por exemplo, sobre o linchamento do congolês Moïse Kabagambe, no Rio de Janeiro, em 2021, e sobre o assassinato de Genivaldo dos Santos, morto pela Polícia Rodoviária Federal, em 2022, em Sergipe. Mas, lembrando que ‘não somos só isso’, nesta obra trata também de música, cinema, teatro – além, claro, de psicanálise, seu campo principal de atuação.
A autora recorre ao conceito de Hannah Arendt sobre a banalidade do mal para estabelecer um paralelo com a realidade brasileira: ‘Ciente de ter desvirtuado a expressão em relação ao contexto em que fora criada, insisto em resgatá-la aqui para qualificar, com outro sentido, a leviandade com que muitas pessoas se sentem autorizadas a praticar ruindades contra indivíduos vulneráveis. Ou a indiferença com que se eximem de qualquer gesto de solidariedade em relação à multidão de miseráveis que aumenta a cada dia nas cidades do país’, argumenta, num exercício intelectual sagaz e despido de ilusões.
A propos de l’auteur
Maria Rita Kehl é doutora em psicanálise pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e atua desde 1981 como psicanalista em São Paulo. Entre 2006 e 2011, atendeu na Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), em Guararema (SP). Integrou a Comissão Nacional da Verdade (2012-2014). Foi jornalista de 1974 a 1981 e segue publicando artigos em diversos jornais e revistas de São Paulo e do Rio de Janeiro. Em 2010, ganhou o prêmio Jabuti de Livro do Ano de Não Ficção, com a obra O tempo e o cão: a atualidade das depressões (Boitempo). Também pela Boitempo, publicou Videologias: ensaios sobre televisão (2004 – em coautoria com Eugênio Bucci), 18 crônicas e mais algumas (2011), Deslocamentos do feminino (2016), Bovarismo brasileiro (2018) e Ressentimento (2020). Pela Boitatá publicou Neném outra vez! (2018) e O disco-pizza (2021), ambos em parceria com Laerte Coutinho).