Virginia Woolf escreveu poucos contos, muitos deles meros esboços, exercícios, ensaios de escrita. Mas em alguns estão concentradas características de seus romances mais experimentais: a rejeição do realismo literário, o uso de técnicas narrativas pouco ortodoxas, a experimentação com a estrutura e a sintaxe.
Em edição bilíngue e com acabamento de luxo, a presente coletânea reúne os melhores desses contos. ‘O legado’ pertence ao conjunto dos seus contos mais convencionais, mas serve de contraste para melhor apreciação das ousadas técnicas que caracterizam os outros quatro aqui incluídos – ‘A marca na parede’, ‘Objetos sólidos’, ‘A dama no espelho’ e ‘Kew Gardens’.
Circa l’autore
Virginia Woolf
Quem foi Virginia Woolf? É o que ela mesma se pergunta, quase no fim da vida: ‘Quem era eu então? Adeline Virginia Stephen, a segunda filha de Leslie e Julia Prinsep Stephen, nascida em 25 de janeiro de 1882, […] no meio de uma enorme rede de relações, não de pais ricos, mas de pais bem situados na vida, nascida num mundo educado, extremamente afeito a se comunicar, a escrever cartas, a fazer visitas, a se expressar bem – o mundo do final do século dezenove’ (Woolf, 1985, p. 65).
Virginia nasceu no nº 22 da rua Hyde Park Gate, no bairro londrino de Kensington. O pai, Leslie Stephen (1832-1904), era um conhecido escritor, tendo dedicado sua vida sobretudo a estudos biográficos. Viúvo, casara-se, em 1878, em segundas núpcias, com Julia Duckworth (1846-1895), também viúva, trazendo, ambos, filhos do primeiro para o segundo matrimônio (Leslie, uma filha; Julia, uma filha e dois filhos). Do novo casamento, resultarão mais quatro filhos: antes de Virginia, Vanessa (1879) e Thoby (1880) e, depois, Adrian (1883).
Do período inicial de sua vida, Virginia terá muitas e belas recordações dos verões passados numa casa de praia (Talland House) na Cornualha, na ponta sudoeste da Inglaterra, arrendada pelo pai um ano antes de ela nascer, e que servirá de cenário para o romance To the Lighthouse [Ao farol] (1927).
Virginia começa a escrever muito cedo. Com nove anos, redige, periodicamente, para uso da família, um jornalzinho a que dá o título de Hyde Park Gate News. Irá se dedicar a essa atividade, contínua e intensamente, pelo resto da vida. Além de nove romances, escreveu diversos contos e uma quantidade imensa de resenhas e ensaios críticos, espalhados por diversas publicações periódicas.
Enquanto os irmãos serão enviados para a Universidade de Cambridge, Virginia, assim como Vanessa, será educada inteiramente em casa, sob a orientação dos pais. Além das ‘artes sociais’ (música, dança, conversação), destinadas às mulheres, tinha aulas de história, latim e francês com a mãe, e de matemática com o pai, sem muito proveito, ao que parece. A educação realmente importante veio-lhe, sobretudo, da quantidade e variedade de leitura dos livros da biblioteca que o pai lhe colocava à disposição.
Após a morte da mãe, em 1895, tem o primeiro colapso nervoso, prenúncio das perturbações psicológicas de que seria acometida ao longo de toda a vida (algumas das alucinações de Septimus Warren Smith, em Mrs Dalloway, são, praticamente, uma descrição das que ela própria sofria, como, por exemplo, ouvir vozes, passarinhos cantando em grego, pessoas surgindo de entre as árvores).