Bem lembrada na frase que serve de epígrafe ao livro, a importância do passado no processo histórico que determinará o porvir de uma nação é justamente o que torna fundamental esta obra. Organizada por Edson Teles e Vladimir Safatle, O que resta da ditadura reúne uma série de ensaios que esquadrinham o legado deixado pelo regime militar na estrutura jurídica, nas práticas políticas, na literatura, na violência institucionalizada e em outras esferas da vida social brasileira. Fruto de um seminário realizado na Universidade de São Paulo (USP), em 2008, o livro reúne textos de escritores e intelectuais como Maria Rita Kehl, Jaime Ginzburg, Paulo Arantes, Ricardo Lísias e Jeanne Marie Gagnebin, que buscam analisar o que permanece de mais perverso da ditadura no país hoje. Assim, o livro possui também um caráter de resistência à lógica de negação difundida por aqueles que buscam hoje ocultar o passado recente, seja ao abrandar, amenizar ou simplesmente esquecer este período da história brasileira. Segundo Edson Teles e Vladimir Safatle, a palavra que melhor descreve esta herança indesejada é ‘violência’ – medida não pela contagem de mortos deixados para trás, mas por meio das marcas encravadas no presente. Para os organizadores, ‘neste sentido, podemos dizer com toda a segurança: a ditadura brasileira foi a mais violenta que o ciclo negro latino-americano conheceu. Quando estudos demonstram que, ao contrário do que aconteceu em outros países da América Latina, as práticas de tortura em prisões brasileiras aumentaram em relação aos casos de tortura na ditadura militar; quando vemos o Brasil como o único país sul-americano onde torturadores nunca foram julgados, onde não houve justiça de transição, onde o Exército não fez um mea culpa de seus pendores golpistas; quando ouvimos sistematicamente oficiais na ativa e na reserva fazerem elogios inacreditáveis à ditadura militar; quando lembramos que 25 anos depois do fim da ditadura convivemos com o ocultamento de cadáveres daqueles que morreram nas mãos das Forças Armadas; então começamos a ver, de maneira um pouco mais clara, o que significa exatamente ‘violência’.’
Circa l’autore
Vladimir Safatle é professor livre-docente do Departamento de Filosofia da USP, bolsista de produtividade do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), professor visitante das Universidades de Paris VII e Paris VIII, professor-bolsista no programa Erasmus Mundus. Escreveu A paixão do negativo: Lacan e a dialética (São Paulo, Edunesp, 2006), Folha explica Lacan (São Paulo, Publifolha, 2007), Cinismo e falência da crítica (São Paulo, Boitempo, 2008) e co-organizou com Edson Teles a coletânea de artigos O que resta da ditadura: a exceção brasileira (Boitempo, 2010), entre outros. Atualmente, mantem coluna semanal no jornal Folha de S.Paulo e coluna mensal na Revista CULT. Em 2012, teve um artigo incluído na coletânea Occupy: movimentos de protesto que tomaram as ruas (Boitempo, 2012), publicada pela Boitempo Editorial em parceria com o Carta Maior.
Edson Teles é doutor em filosofia pela Universidade de São Paulo (USP), é professor de filosofia política na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Pela Boitempo, organizou com Vladimir Safatle a coletânea de ensaios O que resta da ditadura: a exceção brasileira (2010), além de contar com um artigo na coletânea Occupy: movimentos de protesto que tomaram as ruas (2012) e no livro de intervenção O ódio como política: a reinvenção das direitas no Brasil (2018). Também assina um dos artigos do dossiê dedicado à Comissão da Verdade do n. 19 da revista Margem Esquerda. Colabora para o Blog da Boitempo mensalmente, às quartas.