Publicado em 1794, Viagem à roda do meu quarto é uma das obras centrais para a formação do romance moderno. O mesmo século XVIII que assistiu à grande renovação literária operada por escritores de língua inglesa como Jonathan Swift, Henry Fielding e Lawrence Sterne, viu também a renovação da prosa francesa, como no caso deste clássico de Xavier de Maistre, e de Expedição noturna à roda do meu quarto (1825), sua continuação, que a Estação Liberdade editou em 1989, já com a consagrada tradução de Marques Rebelo. Machado de Assis, por meio de seu ‘defunto autor’, no Capítulo I de Memórias póstumas de Brás Cubas escreve: ‘Trata-se, na verdade, de uma obra difusa, na qual eu, Brás Cubas, se adotei a forma livre de um Sterne ou de um Xavier de Maistre, não sei se lhe meti algumas rabugens de pessimismo. Pode ser.’ Essa é a dívida que tem o nosso maior romancista para com o escritor francês, que publicou a presente obra quando a França transitava para o romantismo. Este romance aponta para a ruptura com a concepção clássica então vigente, apostando na renovação formal, na dimensão trágica e na comicidade, nas tensões e contradições do indivíduo (incluindo a consciência da personalidade dividida, tema central para todo o romantismo) que se tornam elementos centrais da estrutura narrativa.
Circa l’autore
Xavier de Maistre nasceu em 1763 em Chambéry, Savóia, região à época pertencente ao reino da Sardenha. De origem nobre, teve formação militar, chegando a altas patentes, e escreveu em língua francesa. Em 1792, quando a França, na esteira da Revolução, anexa a Savóia, exila-se na Rússia e luta ao lado dos russos contra os franceses. Instala-se definitivamente naquele país e lá passa por grandes dificuldades financeiras até a chegada de seu irmão, Joseph, que fora nomeado ministro plenipotenciário do reino da Sardenha. Custeado pelo irmão, publica, em 1794, Viagem à Roda do Meu Quarto, seu mais famoso e importante romance. Em 1805 é nomeado diretor da biblioteca do museu real de São Petersburgo. Chega à patente de general do exército russo após as campanhas militares no Cáucaso e na Pérsia. Em 1811 publica Le Lépreux de la cité d’Aoste. Casa-se no ano seguinte com Sophie Zagriatzky, dama de honra da czarina russa. Retorna à Savóia em 1825 e lá publica os romances La Jeune sibérienne e Les Prisonniers du Caucase. Pouco tempo depois, muda-se para Nápoles, onde presencia a morte de um dos filhos. Numa viagem a Paris, é surpreendido com a fama literária conseguida por conta de Viagem à Roda do Meu Quarto e do seu sucessor Expedição Noturna à Roda do Meu Quarto ―, a ponto de Alphonse de Lamartine dedicar-lhe o poema ‘Le Retour’. Volta a São Petersburgo, onde falece em 12 de junho de 1852.