Ao leitor,
Que Stendhal confessasse haver escrito um de seus livros para cem leitores, coisa é que admira e consterna. O que não admira, nem provavelmente consternará, é se este outro livro não tiver os cem leitores de Stendhal, nem cinqüenta, nem vinte, e quando muito, dez.. Dez? Talvez cinco. Trata-se, na verdade, de uma obra difusa, na qual eu, Brás Cubas, se adotei a forma livre de um Sterne, ou de um Xavier de Maistre, não sei se lhe meti algumas rabugens de pessimismo. Pode ser. Obra de finado. Escrevia-a com a pena da galhofa e a tinta da melancolia, e não é difícil antever o que poderá sair desse conúbio. Acresce que a gente grave achará no livro umas aparências de puro romance, ao passo que a gente frívola não achará nele o seu romance usual; ei-lo aí fica privado da estima dos graves e do amor dos frívolos, que são as duas colunas máximas da opinião.
Mas eu ainda espero angariar as simpatias da opinião, e o primeiro remédio é fugir a um prólogo explícito e longo. O melhor prólogo é o que contém menos coisas, ou o que as diz de um jeito obscuro e truncado. Conseguintemente, evito contar o processo extraordinário que empreguei na composição destas Memórias, trabalhadas cá no outro mundo. Seria curioso, mas nimiamente extenso, aliás desnecessário ao entendimento da obra. A obra em si mesma é tudo: se te agradar, fino leitor, pago-me da tarefa; se te não agradar, pago-te com um piparote, e adeus.
Brás Cubas
About the author
Machado de Assis é o maior nome da Literatura Brasileira, um gênio do realismo ficcional.
Entre 1870 e 1900, escreveu romances, poemas, crônicas, críticas e artigos que conquistaram o mundo e influenciaram os escritores brasileiros do século XX. Nascido no Morro do Livramento, no Rio de Janeiro, filho de um pintor e uma lavadeira, adquiriu extensa cultura literária, aliando uma carreira burocrática à paixão pela prosa.
Aclamado pela crítica internacional, Memórias Póstumas de Brás Cubas é considerado a maior referência do realismo brasileiro, traduzido para dezenas de línguas e adaptado para o teatro e outras mídias.
Machado de Assis, por meio da narrativa em primeira pessoa do defunto, Brás Cubas, traz a genialidade da sua escrita em um estilo informal e livre, repleto de ironia e sarcasmo direcionados aos políticos, costumes e contrastes da sociedade brasileira da época.