Ao estudar o Renascimento inglês, Pedro Rocha de Oliveira escancarou um fato extremamente atual: o de que a modernidade — que se confunde com o capitalismo, a acumulação primitiva e o progresso — é uma engrenagem que obrigatoriamente precisa de uma população periférica, externa ou interna, que é descartável, isto é, matável. O ‘populacho’ está fora do acordo oligárquico que define uma democracia — que pertence aos experts, aos proprietários, os quais detêm o monopólio da racionalidade. Todas as nações do mundo fizeram isso, desde o início: Inglaterra, Estados Unidos, Alemanha, Itália etc. O Brasil também, claro, desde sempre, porque esse é o regime da Colônia, ou seja, o conjunto da população matável administrada de fora por uma metrópole. Depois, a metrópole é interiorizada, com os mesmos objetivos. Por isso é que até hoje se mata nos campos e nas periferias deste país, impunemente. Eis o denominador comum de todas as elites brasileiras, sejam de esquerda ou de direita: todas são progressistas, pois o progresso é isso. E quem não se adequa a essa realidade é considerado ‘obscurantista’, ‘medieval’, ‘atrasado’, ‘pré-moderno’ etc. Para as pessoas que recebem essas alcunhas, o mundo ‘superior’ do saber, da ciência, da administração pública não diz nada. O Estado é sempre visto como um inimigo do povo. O capitalismo, o progresso, a modernidade podem ser resumidos como uma guerra civil dos cidadãos contra os não cidadãos. A modernidade é o pressuposto de que existe um lado superior (civilização, progresso, racionalidade, administração pública, crítica da superstição), e um inferior, que são os não cidadãos, descartáveis, matáveis. O preço do progresso é o sacrifício de pobres, negros, índios, camponeses, mulheres etc.
— Paulo Arantes
Mengenai Pengarang
Pedro Rocha de Oliveira é carioca, professor do ensino público federal, psicanalista, e pós-doutor em filosofia. Tentando dar uma voz mais ou menos organizada à sensação de colapso onipresente na experiência contemporânea, estuda as origens e os limites da civilização moderna, entendida simplesmente e rigorosamente como socialização capitalista. É coautor de Até o último homem: visões cariocas da administração armada da vida social (Boitempo, 2013), autor de Dinheiro, mercadoria e Estado nas origens da sociedade moderna: estudo sobre a acumulação primitiva de capital (Editora PUC-Rio, 2018) e de vários estudos, artigos e capítulos sobre estética moderna, política penal, psicanálise e história do pensamento moderno, através dos quais tem buscado manter os olhos sempre fixos nas razões para odiar o caminho mortífero em que, desde o advento moderno, a humanidade foi metida. Suas principais referências teóricas são Paulo Arantes, Peter Linebaugh, Theodor Adorno, Sándor Ferenczi e David Graeber. Na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, geralmente leciona crítica da economia política, pensamento brasileiro e filosofia da cultura.