Em 17 de novembro de 1889, ocorreu no Maranhão, na cidade de São Luís, um grande protesto popular, majoritariamente de negros, contra o golpe militar que dois dias antes estabelecera a República no Brasil. Os manifestantes acreditavam que o objetivo era destituí-los dos direitos conquistados com a Abolição, cerca de um ano e meio antes, e reescravizar a gente de cor. Quando tentaram invadir e depredar um jornal republicano, uma tropa destacada para proteger o edifício realizou uma descarga de fuzil e, de acordo com números oficiais, matou quatro pessoas e deixou inúmeros feridos.
O episódio é conhecido como o Massacre de 17 de Novembro e, junto com outros incidentes envolvendo violência e racismo — como a destruição do pelourinho de São Luís e as prisões e torturas que seguiram o protesto —, é descrito em A nova aurora, novela histórica publicada em 1913.
Uma das imagens mais recorrentes acerca da instauração do regime republicano é a do povo bestializado, apático, sem tomar posição diante do golpe de Estado que encerrara o longo reinado de d. Pedro II. Que alternativas e limites políticos e culturais uma sociedade egressa da escravidão poderia oferecer para realizar as promessas de uma cidadania sem distinção de cor, linhagem e origem social?
Astolfo Marques, um escritor negro que pensou o país a partir do velho norte agrário, lidou com esses impasses fazendo da escrita um espaço criativo em que alia pesquisa documental, relatos orais, ficção e lembranças pessoais, construindo, em A nova aurora, uma narrativa aberta a múltiplas vozes, que nos convida a questionar os muitos apagamentos de nossa memória republicana.
O autorze
Astolfo Marques nasceu em uma família negra livre e predominantemente feminina, em 1876. Consta que aprendeu a ler sozinho, embora tenha frequentado de maneira errática o sistema público de educação nas décadas de 1880 e 1890. Moço de vinte anos, tornou-se servente da Biblioteca Pública de São Luís, mas logo alcançou o posto de amanuense da instituição e foi um dos fundadores da Oficina dos Novos, considerada a principal agremiação literária maranhense da primeira década do século XX. Sua consagração definitiva como escritor importante veio com a criação, em 1908, da Academia de Letras, onde figura como fundador da cadeira n. 10. Morreu prematuramente em 1918, com pouco mais de quarenta anos.
Matheus Gato é professor do Departamento de Sociologia da Unicamp. É pesquisador do núcleo Afro/Cebrap e coordenador do Bitita: Núcleo de Estudos Carolina de Jesus (IFCH-Unicamp). Foi pesquisador visitante na Princeton University e na Harvard University. É autor de O Massacre dos Libertos: sobre raça e república no Brasil (2020) e organizador do livro O Treze de Maio e outras estórias do pós-abolição (2021), que reúne contos de Astolfo Marques.