Clare e Irene se reencontraram, por acaso, no terraço de um elegante hotel. Na Chicago dos anos 1920, elas nem poderiam, pela lei, estar ali: são negras que, por conta da pele clara, estavam passando-se por brancas. Irene, é verdade, manteve-se na raça: mora no Harlem e é membro ativo da Sociedade Negra. Já Clare, para deixar a pobreza, adotou uma identidade de branca e casou-se com um homem rico — e profundamente racista. Irene é negra por compromisso moral; Clare quer voltar a ser negra, por prazer. Em uma sociedade cega à ambiguidade racial, Irene e Clare, como as duas metades do yin yang, estão em constante busca por um espaço o qual nunca poderão ocupar plenamente. Clare, a negra que se passa por branca, fascina e angustia Irene, a negra que pensa como branca. Nos polos opostos, seus maridos: o branco racista que quer levar Clare para a Europa; o médico negro que sonha em mudar a família para o Brasil. A essa perigosa tensão social soma-se uma carga sexual, precipitando o desfecho inexorável para as pessoas de cor que não encontram seu lugar em um mundo em preto e branco.
O autorze
Nella Larsen, filha de pai caribenho e mãe dinamarquesa, passou a infância em um bairro operário branco de Chicago e a vida adulta na burguesia negra do Harlem. Publicou, em 1928, Areia movediça (Quicksand), romance com tintas autobiográficas sobre uma mulher de ascendência africana e escandinava em seu permanente deslocamento em um mundo em preto ou branco. No ano seguinte publicou Passando-se (Passing) sobre a tensa dinâmica entre duas negras (segundo as leis Jim Crow) que 'passam-se’, social ou intelectualmente, por brancas em plena Renascença do Harlem, o movimento cultural que inicialmente a renegou e do qual hoje Nella Larsen é considerada um dos maiores expoentes. Os livros lhe trouxeram reconhecimento mas também o ostracismo e ela que, em dois anos criou duas obras fundamentais, não publicaria nada mais até sua morte, sozinha, em 1964.