Complexo, contraditório, colonizado por interesses políticos dos mais questionáveis, por interesses econômicos dos mais nefastos, o Maracanã tem sua história revisitada por Luiz Antonio Simas a partir das memórias e usos das pessoas comuns.
Desdentados, mauricinhos, operários, doutores, macumbeiros e cristãos compõem a rica história da produção do ‘Maraca’ como ‘encarnação do mito de convívio cordial da cidade do Rio de Janeiro’, ao mesmo tempo enganador e afetuoso, nas palavras do autor.
Através de um texto leve e criativo, o imaginário popular e a história social se cruzam em um relato sobre o monumento que forjou o Brasil que conhecemos. Bom observador da fé do brasileiro, Simas promove reflexões com a originalidade intelectual que consagrou suas duas dezenas de livros.
Sem dispensar a qualificada literatura brasileira sobre o futebol, Simas recria o olhar sobre esse fenômeno. Tudo isso com método científico: a ‘observação participante’ nos balcões dos botequins, nos trens do subúrbio, nas filas das bilheterias, nos isopores dos ambulantes e onde mais o futebol se manifestasse para além da arquibancada e da geral.
Uma obra especialmente importante para aquela pessoa que, por algum motivo, não teve a sorte de ser arrebatado pela paixão futebolística.
Irlan Simões
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Se você, leitor ou leitora, espera encontrar neste livro somente a história de um estádio de futebol, irá se surpreender. E por três motivos. O primeiro é que o Maracanã, como o livro nos conta, está longe de ser apenas um estádio. O velho ‘Maraca’ é território, ou melhor, é terreiro. Estamos falando aqui, portanto, de um espaço de intersecção entre o sagrado e o profano, constituído por inúmeras relações, atravessado por dramas existenciais, alimentado por tragédias. O Maracanã é palco e personagem, passarela e estandarte.
O segundo é que a história do Maracanã é, ao mesmo tempo, a história do Rio de Janeiro e a história do Brasil. O autor consegue de forma magistral nos mostrar como o estádio, desde sua construção, fez parte de momentos cruciais da história do país. Basta lembrar que a década de 1950 foi o momento mais emblemático do processo de modernização da sociedade brasileira, ou seja, da integração do país aos marcos do capitalismo industrial. Mas, ao lado dos debates sobre um projeto nacional de desenvolvimento, da efervescência intelectual e artística, da Constituição de 1946, os ‘anos dourados’ também nos apresentaram os problemas da tal modernização. Do Maracanã veio o aviso mais contundente das contradições dessa modernização, e na forma de uma tragédia: a final da Copa de 1950.
Mas o mesmo Maracanã que em seus primórdios sintetizou o ideal da integração de classes e da busca pela ‘homogeneização social’, como dizia Celso Furtado, viu-se atingido pela vaga neoliberal. O que era lugar de encontro e de catarse coletiva, virou arena, que como diz o autor, ‘é a birosca da esquina gourmetizada em boteco de grife, é o espaço VIP no bloco de carnaval, é o camarote da cervejaria no Sambódromo, onde o que menos interessa é o desfile da escola de samba’.
O terceiro motivo pelo qual o livro não é e nem poderia ser a simples história de uma construção é seu autor, Luiz Antonio Simas. Um dos mais destacados pensadores do Brasil. Um homem das encruzilhadas, das ruas, dos terreiros, lugares em que se ensina e em que se aprende, pois são lugares em que caminhos nos são oferecidos. Simas, como é do seu feitio, não nos deixa ficar sentados no estádio; ele nos leva a percorrer as ruas ao redor, as histórias e os múltiplos sentidos que fazem do Maracanã o protagonista deste livro.
Silvio Almeida
Sobre o autor
Luiz Antonio Simas é carioca, botafoguense, filho de pai catarinense e mãe pernambucana. Trabalha como professor de História e faz pesquisas sobre culturas populares do Brasil. É autor, entre outros, do ‘Almanaque Brasilidades’ (Bazar do Tempo, 2018), de ‘Pedrinhas miudinhas: ensaios sobre ruas, aldeias e terreiros’ (Mórula, 2013), de ‘Ode a Mauro Shampoo e outras histórias da várzea’ (Mórula, 2017), do ‘Dicionário da História Social do Samba’ (Civilização Brasileira, 2015), em parceria com Nei Lopes, de ‘O corpo encantado das ruas’ (Civilização Brasileira, 2019) e de ‘Fogo no mato: a ciência encantada das macumbas’ (Mórula, 2018) e ‘Flecha no tempo’ (Mórula, 2019), estes dois últimos com Luiz Rufino.