Instigados pelo boom das commodities, governos progressistas que chegavam ao poder na América Latina no início do século XXI enxergaram na intensificação da exploração de bens naturais com vistas à exportação uma forma eficaz de enfrentar a crise econômica — e de enfim alcançar o sempre distante objetivo de desenvolvimento de suas respectivas nações. Como nos mostra a socióloga argentina Maristella Svampa neste livro, a consequente intensificação da espoliação da natureza demandada por esse modo de produção logo fez com que, em nome do ‘progresso’ e do ‘desenvolvimento nacional’, esses mesmos governos não titubeassem em violar direitos humanos e em pôr em risco patrimônios ecológicos. Contudo, essa nova dinâmica das lutas socioambientais acabou servindo de caldo de cultura para uma nova matriz de resistência social cuja preocupação central é a defesa da terra e do território sustentada por valores ambientalistas, autonomistas, indígenas, comunitários e feministas.
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No começo do século XXI, as economias latino-americanas se viram enormemente favorecidas pelos altos preços internacionais dos produtos primários (commodities) e começaram a viver um período de crescimento econômico. Essa nova conjuntura coincidiu com uma época caracterizada por intensas mobilizações sociais e pelo questionamento do consenso neoliberal e das formas mais tradicionais de representação política. Posteriormente, em diversos países da região, o ciclo de protestos foi coroado pelo surgimento de governos progressistas, de esquerda ou centro-esquerda, que, apesar das diferenças, combinaram políticas econômicas heterodoxas com a ampliação do gasto social e a inclusão por meio do consumo. Teve início então o que foi denominado de ciclo progressista latino-americano, que se estendeu pelo menos até 2015-2016.
Durante esse período de lucro extraordinário, para além de referências ideológicas, os governos latino-americanos tenderam a dar ênfase às vantagens comparativas do boom das commodities, negando ou minimizando as novas desigualdades e assimetrias econômicas, sociais, ambientais ou territoriais proporcionadas pela exportação de matérias-primas em grande escala. Com o passar dos anos, todos os governos latino-americanos, sem exceção, possibilitaram a volta com força de uma visão produtivista do desenvolvimento e buscaram negar ou encobrir as discussões acerca das implicações (impactos, consequências, danos) do modelo extrativista exportador. Mais ainda: de modo deliberado, multiplicaram os grandes empreendimentos mineradores e as megarrepresas, ao mesmo tempo que ampliaram a fronteira petrolífera e agrária, a última por meio de monoculturas como soja, biocombustíveis e coqueiro-de-dendê.
— Maristella Svampa, na introdução
Tabela de Conteúdo
1. Neoextrativismo e desenvolvimento
2. Conflitos socioambientais e linguagens de valorização
3. Alcance do giro ecoterritorial
4. Rumo a um neoextrativismo de formas extremas
5. Fim de ciclo e novas dependências
Reflexões finais
Sobre o autor
Maristella Svampa é socióloga, escritora e pesquisadora argentina. É formada em filosofia pela Universidade Nacional de Córdoba e doutora em sociologia pela École Pratique des Hautes Études, na França. É pesquisadora principal do Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas [Conicet] e professora titular da Universidade Nacional de La Plata no campo da teoria social latino-americana. Em 2006, recebeu a bolsa Guggenheim e o diploma Konex em sociologia; em 2014, recebeu o diploma Konex em ensaio político e sociológico; em 2016, foi agraciada com o prêmio Konex de Platina em sociologia. Em 2019, foi agraciada com o Prêmio Nacional de Ensaio Sociológico, atribuído pela Secretaria de Cultura da Argentina, pelo livro Debates latinoamericanos: indianismo, desarrollo, dependencia y populismo (2016). Seus primeiros trabalhos se debruçam sobre os movimentos sociais e a sociologia política. Posteriormente, ela se concentrou no estudo da problemática socioecológica e no acompanhamento de diferentes lutas ecoterritoriais na América Latina. Escritos coletivamente, os livros 15 mitos y realidades de la minería transnacional (2011), publicado na Argentina, no Uruguai e no Equador, e 20 mitos y realidades del fracking (2014), ambos muito difundidos na região, são fruto do vínculo com as lutas socioambientais. Entre suas últimas obras constam Maldesarrollo: la Argentina del extractivismo y el despojo (2014, em colaboração com E. Viale) e Del cambio de época al fin de ciclo: gobiernos progresistas, extractivismo y movimientos sociales en América Latina (2017). É autora de três romances, todos situados na Patagônia argentina: Los reinos perdidos (2006), Donde están enterrados nuestros muertos (2012) e El muro (2013). Em 2018 também publicou o ensaio autobiográfico Chacra 51: regreso a la Patagonia en los tiempos del fracking.