Dois prisioneiros conversam dentro de uma oca, aguardando a manhã chegar e com ela o momento em que um deles será devorado pelos tupiniquins. Um é o italiano Angelo; do outro, pouco sabemos, pois está impedido de falar, graças aos ferimentos severos que sofreu na batalha em que foi capturado. Como sua boca está destroçada e ele está amarrado como prisioneiro dos índios, seu companheiro de infortúnio decide lhe contar histórias para que a noite passe sem tanto sofrimento.
O narrador o chama de Bacharel: ‘É triste ter que dizer isso assim, tão diretamente e sem floreios, caro Bacharel, mas infelizmente tudo indica que os canibais vão devorar você assim que o dia raiar.’
O chefe dos índios que irão devorá-lo é Yawara, um guerreiro tupiniquim que assombra os inimigos, por sua origem, sua força e bravura, além da obsessão por capturar a onça preta, que ele caça sem descanso pela mata de Pindorama. Seu nome significa ‘aquele que morde’. Ele foi um curumim que chegou ao mundo sem ter sido parido por uma mãe e cresceu como um pária na Aldeia de Piratininga, aos olhos de João dos Piratiningas (o português João Ramalho), homem branco que se misturou aos tupis até se tornar ele mesmo um guerreiro canibal.
Na mais recente batalha, Yawara capturou esse bravo guerreiro branco que pretende devorar assim que o sol nascer. É o Bacharel, que, como o leitor, ouve a história contada pelo narrador, Angelo, o Vermelho. A morte o espera ao final dessa jornada, mas não é o que vai acontecer com Angelo, o italiano que a tribo poupou por achá-lo covarde e bufo, o que não recomenda a sua deglutição. Na lógica antropofágica tupiniquim, só os fortes e corajosos valem a pena ser devorados.
Enquanto reconta a saga de Yawara para o Bacharel, o narrador relembr também a sua própria trajetória: seus périplos picarescos e sua origem extraordinária, nascido de uma orgia entre luminares da Renascença Florentina com uma prostituta montepulciana.
Yawara é um retrato das guerras permanentes e, talvez, constituintes do Brasil moderno. A guerra do homem contra o mundo natural, a guerra do homem contra seus próprios demônios e a guerra de ambições dos homens entre si pelo controle do mundo. Apesar da ambientação histórica, é também um romance contemporâneo, que indaga nas entrelinhas: de onde vêm a violência e a ganância permanentes e inescapáveis que o Brasil não consegue superar?
Yawara insere o leitor no coração de uma aventura em seu momento mais emocionante. O relato é uma narrativa empolgante e precisa que repassa com ironia e pitadas de humor negro, além de reflexões filosóficas e artísticas, os primeiros anos de colonização do Brasil.
Sobre o autor
Rodrigo Leão nasceu em 1969 em São Paulo, cidade fundada sobre a antiga aldeia de Piratininga. Cresceu e se educou no Rio de Janeiro e em Nova York. Trabalhou como jornalista, músico e publicitário. É mais conhecido como compositor de inúmeros hits do grupo mineiro Skank como ‘Saidera’, ‘Um mais um’, ‘Fotos na estante’, ‘Formato mínimo’, entre outras músicas. Suas canções ocupam mais de cinco horas de audição nas plataformas digitais. Recebeu em 2010 o Prêmio Estímulo do Governo do Estado de São Paulo pelo roteiro do curta-metragem O cavalo. Yawara é seu primeiro romance.