Finalmente, Maio de 68: a Brecha ganha uma edição em língua portuguesa e nós da Autonomia Literária temos a honra, neste cinquentenário da Revolução Global de 1968, de apresenta-la ao público brasileiro. A icônica obra, escrita pelo memorável trio formado por Cornelius Castoriadis, Claude Lefort e Edgar Morin, ganha vida no Brasil de 2018 na fina e criteriosa tradução dos jovens Anderson Lima da Silva e Martha Coletto Costa – com prefácio à edição brasileira do quase centenário Morin, ironicamente o mais velho dos três autores e o único ainda vivo, apresentação à edição brasileira de Marilena Chaui, ensaio crítico de Olgária Matos, posfácio de Irene Cardoso e orelha de Franklin Leopoldo e Silva, todos peso-pesados da filosofia brasileira que viveram intensamente os eventos de Maio de 68.
Maio de 68: A Brecha é mais do que um relato, in loco, de um acontecimento de proporções titânicas, mas uma epopeia sobre uma abertura que persiste até os nossos dias: sua reivindicação anticapitalista, por meio de um clamor pleno e imanente, que não se conformava com um socialismo burocrático; era preciso não só derrotar o capitalismo como, também, recusar a substituição da burguesia por qualquer outra casta que, meramente, lhe sucedesse.
Castoriadis e Lefort, ambos pensadores engajados, comprometidos com a Socialismo ou Barbárie, intelectuais reconhecidos e militantes incansáveis da construção de um socialismo outro, e Morin, um pensador judeu e velho membro da Resistência Francesa – que ainda, hoje, quase aos cem anos continua a lutar pelas causas urgentes – se uniram para a difícil missão de narrar esse atravessamento que passava por universidades, ruas, praças, fábricas etc.
Ainda que o Maio de 68 francês, do qual trata o livro, tenha ecoado o que já acontecia na luta por libertação no Terceiro Mundo, da luta dos jovens comunistas chineses contra a velha burocracia ou dos vietnamitas e dos latino-americanos contra o imperialismo, dos negros por direitos civis nos Estados Unidos, fato é que Paris, naquele instante, era o megafone pelo qual atravessava o burburinho que agitava o mundo: como no Junho de 2013 brasileiro, no qual São Paulo reverberou as lutas de outras capitais, ao final, recebendo e amplificando o que chegava, devolvendo maior o clamor original e fazendo-o chegar a tantas outras partes.
Como acentuou Castoriadis em seu relato ainda na primeira parte do livro: é a primeira vez que, numa sociedade capitalista burocrática moderna, não é mais a reivindicação, mas a afirmação revolucionária mais radical que irrompe aos olhos de todos e se propaga pelo mundo.
O que era essa agitação, o que era essa polifonia, quem eram esses novos atores que não apenas entraram no jogo como, também, viraram o tabuleiro e questionaram o seu sentido? É isso que fazem os autores, escrevendo quase como se tomados pela peste, sob o efeito de uma febre infernal. Nascidos nos anos 1920, eles eram fruto de uma geração que, à direita e à esquerda acreditava, em grande medida, no mito do progresso e da modernização, coisa que bem antes do Maio, eles já recusavam; uma ilusão que projetava, como Morin bem pontuou, para um futuro no qual
A União Soviética, ao se tornar liberal, e os Estados Unidos da América ao se regular, vão convergir para o mesmo tipo de sociedade assistencial e de democracia pluralista.
Esse grande engano e foi, definitivamente, desmontado no Maio de 68, na ‘desordem nova’ à qual se referiu Lefort, pela qual os franceses descobriram que sob os pavimentos das ruas havia a praia, ao arrancar os paralelepídedos para responder ao aparato repressivo em ação. Ainda que o capitalismo enfim se reconfigurou para reagir a este tipo de revolução na forma do neoliberalismo, fato é que a Brecha da qual falam os autores se mantém viva e, como acontecimento, emerge de tempos em tempos pondo o sistema ainda em xeque.
Cuprins
PRÉ-ESCRITOS
Advertência
Prefácio à edição brasileira Maio de 68: A Brecha por Edgar Mori
Breve apresentação à edição brasileira Por Marilena Chaui
Nota dos tradutores Por Anderson Lima da Silva e Martha Coletto Costa
PARTE 1 – A Brecha
Primeiras reflexões sobre os acontecimentos
I.I. A comuna estudantil por Edgar Morin
I.II. A desordem nova por Claude Lefort
I.III. Uma revolução sem rosto por Edgar Morin
I.IV. A revolução antecipada por Cornelius Castoriadis
PARTE 2 Vinte Anos Depois
II.I. Ma(io)s (1978) por Edgar Morin
II.II. Maio de 68: complexidade e ambiguidade (1986) por Edgar Morin
II.III. Os movimentos dos Anos Sessenta (1986) Por Cornelius Castoriadis
II.IV. Releitura (1988) por Claude Lefort
PÓS-ESCRITOS
Ensaio crítico: 1968: Paris toma a palavra Por Olgária Matos
Posfácio: Maio 68: signo histórico Por Irene Cardoso
SOBRE OS AUTORES
Despre autor
Claude Lefort
(Paris, 21 de março de 1924 – Paris, 3 de outubro de 2010). Marcado pelo estilo filosófico de Merleau-Ponty, seu professor e amigo, Lefort se posiciona desde o início de sua trajetória contra as expressões do marxismo dogmático e elabora, no fim dos anos 1940, uma crítica à esquerda da União Soviética, do Partido Comunista e do fenômeno burocrático. Da meditação sobre a experiência totalitária, aliada à imersão nos autores clássicos (Maquiavel, La Boétie, Tocqueville, etc.), Lefort buscou extrair subsídios teóricos para repensar profundamente a natureza da democracia moderna, a partir dos anos 1970. Suas obras mais destacadas são A invenção democrática: os limites da dominação totalitária, O trabalho da obra: Maquiavel e Pensando o político: ensaios sobre democracia, revolução e liberdade.
Cornelius Castoriadis
(Constantinopla, 11 de março de 1922 – Paris, 26 de dezembro de 1997). Pensador de origem grega, Castoriadis afirma-se inicialmente como um jovem militante revolucionário e realiza, ainda em Atenas, estudos nas áreas de direito, economia e filosofia. Em 1945 radica-se na França. Sua obra favoreceu a renovação do pensamento marxista no século XX, realizou uma crítica pioneira do comunismo soviético sem deixar de visar o capitalismo Ocidental e se voltou para uma reflexão renovada sobre a democracia radical e a autonomia. Ao lado de Claude Lefort, foi um dos responsáveis pela formação do grupo Socialismo ou Barbárie, em 1949. De sua ampla produção, se destacam obras como A instituição imaginária da sociedade, As encruzilhadas do labirinto (vários tomos) e A sociedade burocrática.
Edgar Morin
(Paris, 8 de julho de 1921). Filósofo e sociólogo, diretor de pesquisa emérito do Centre National de Recherche Scientifique (Centro Nacional de Pesquisa Científica). Doutor honoris causa em mais de trinta Universidades pelo mundo, Edgar Morin soube fornecer com precisão uma análise rente aos acontecimentos de Maio de 68, caracterizando-os como uma expressão momentânea que partiu da juventude estudantil e trouxe à luz aspirações profundas do ser humano por mais liberdade pessoal e comunidade fraternal. Morin tem uma ampla formação, transita em várias áreas do saber, como Filosofia, Sociologia, História, Epistemologia e Pedagogia. Aos quase cem anos, Morin continua a tomar posições políticas frente a causas ambientais e humanitárias mundo afora. De sua produção, destacam-se O método (6 volumes), Introdução ao pensamento complexo e Os setes saberes necessários para a educação do futuro.