No início do século XVIII, o letrado baiano Manuel Pereira Rabelo recolheu poemas que circulavam em Salvador na oralidade e em folhas volantes, atribuindo-os a Gregório de Matos e Guerra, que lá vivera entre 1682 e 1694. Para prefaciar a compilação, escreveu um retrato do poeta, que é ficção epidítica do gênero ‘vida’. Em 1840, o Cônego Januário da Cunha Barbosa publicou uma paráfrase dele como prefácio para dois poemas que atribuiu a Gregório e editou no número 9 da Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. A paráfrase interpreta os lugares-comuns retóricos da ficção como fatos positivos da vida empírica do homem Gregório, convertendo a verossimilhança da vida do personagem do texto do século XVIII na verdade da psicologia de um indivíduo romântico do século XIX. Varnhagen a retomou no Florilégio da Poesia Brazileira, em 1850, classificando o homem Gregório como doente, vadio e protonacionalista. Críticos posteriores vestiram novas roupagens positivistas, deterministas, racistas, climáticas, psiquiátricas, estilísticas, sociológicas, semióticas, neovanguardistas e tropicalistas nessa interpretação romântica, propondo os poemas como etapas para o Estado Nacional Brasileiro, expressão anárquico-antropofágico-riponga-policultural da baianidade, antecipação profética das funções da linguagem de Jakobson, prefiguração colonial da pós-modernidade pós-utópica e mais coisas típicas de uma colônia do Antigo Estado português.
Despre autor
Gregório de Matos e Guerra
Salvador, Bahia, 1633 (1636). Branco, filho de senhor de engenho. Direito Canônico (Universidade de Coimbra, 1652). Graduação (1661). Casamento (1661). Juiz de Fora (Alcácer do Sal, 1663); Juiz do Cível (Lisboa, 1671); Procurador da Bahia nas Cortes de Lisboa (1668-1674).Viúvo (1678). Nomeado Desembargador da Relação Eclesiástica da Bahia (1679). Retorno à Bahia (1682). Demitiu-se (1683). Casou-se com D. Maria dos Povos. Degredado para Angola pelo governador João de Lencastre (1694). Retorno para o Estado do Brasil (Recife, 1695). Morte (1696). Diz-se que impiamente, comparando o sangue de Cristo crucificado com a vermelhidão dos olhos de um menino com sarampo. Conta-se que cristãmente, entregando-se a Deus. Enterrado na capela do Hospício de Nossa Senhora da Penha, demolida em 1870.
João Adolfo Hansen
Professor titular de literatura brasileira no Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Autor de estudos sobre as letras luso-brasileiras dos séculos XVI, XVII e XVIII e literaturas modernas.
Marcello Moreira
Professor titular de literatura brasileira da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. Pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Memória: Linguagem e Sociedade da UESB. Especialista em letras luso-brasileiras.