Apesar de terem sido escritas há décadas, e de se endereçarem ao filho do oficial que administrava a máquina de extermínio nazista, as cartas reproduzidas neste livro possuem uma atualidade na menos que assombrosa. A seu interlocutor, Klaus Eichmann, primogênito de Adolf — caçado, julgado e condenado à forca por Israel no início dos anos 1960 —, o filósofo judeu Günther Anders esclarece que não quer remexer o passado, mas falar do futuro: ‘é necessário buscar aquelas raízes que não se extinguiram após o colapso do sistema do terror de Hitler e de seu pai’. Seu maior pesadelo é a repetição da monstruosidade, que para ele é resultado do avanço frenético da técnica e da incapacidade do ser humano de sequer imaginar a magnitude do poder de destruição que desenvolveu. Ao tentar convencer o filho a romper com a herança paterna, fica claro que Anders está falando a todos nós, conclamando ao pensamento crítico e à consciência sobre em que medida nossas ações cotidianas, nosso trabalho, a forma como inocentemente ganhamos a vida, contribui para a destruição do mundo — e do outro.
Despre autor
Günther Anders, pseudônimo de Günther Siegmund Stern, nasceu em 1902, na Breslávia, então território do Império Alemão. Doutor em filosofia pela Universidade de Freiburg, foi reconhecido como um fenomenólogo brilhante por seus professores Edmund Husserl — aliás, orientador de sua tese de doutorado, defendida em 1924 — e Martin Heidegger — em cujas aulas conheceu Hannah Arendt, com quem foi casado entre 1929 e 1937. Nesse período, aproximou-se dos círculos da vanguarda literária da República de Weimar e manteve contato com escritores como Bertolt Brecht e Alfred Döblin. Com o avanço do nazismo, exilou-se primeiro na França, em 1933, onde conviveu com Walter Benjamin, seu primo de segundo grau, e, três anos depois, nos Estados Unidos. Trabalhou em ramos diversos, inclusive como operário de fábrica — experiência determinante para suas análises da automação na sociedade industrial, desdobradas em seu principal livro, Die Antiquiertheit des Menschen [A obsolescência do homem]. Escritor polivalente, teve uma obra vasta e diversificada: além de textos filosóficos e ensaios de crítica da cultura, dedicou-se a gêneros diversos (romance, poema, fábula, diálogo de ficção, carta e diário), não raramente incorporados em sua prosa teórica. Enquanto crítico literário, seu livro Kafka: pró e contra (Cosac Naify, 2007) impactou autores como Geörgy Lukács e Theodor Adorno. Testemunha da destruição civilizacional generalizada do século XX, dedicou suas reflexões ao potencial de autoaniquilamento da humanidade e à ‘mutação da alma’ no capitalismo tardio. Além de escritor e teórico, foi militante antifascista na juventude e, no pós-guerra, engajou-se profundamente na luta antinuclear, tendo dedicado parte significativa de sua obra à ameaça atômica. Faleceu aos noventa anos em Viena, na Áustria, em 1992.