O insólito literário é a chave de leitura que consegue dar conta dos absurdos da história recente humana, perpetrados pelos processos de colonização europeus. E Roque Larraquy tece com maestria seu insólito, adicionando temas caros à ficção científica nesta crítica a facetas argentinas que esse país desejaria esquecer.
A telepatia nacional, como nas melhores histórias da literatura fantástica, insere nomes reais em uma trama ficcional complexa. Inicia com o sequestro de índios da Amazônia peruana em 1930, que são levados, através do Brasil, a Buenos Aires. O objetivo? Replicar em solo portenho o projeto asqueroso europeu que gerou lucros imensos no séc. XIX: um zoológico humano.
Contudo, se esse enredo parece focar no passado, não se engane! Larraquy se vale de tais acontecimentos com o intuito de minar nossas certezas sobre a diferença entre o real e o imaginado, a memória e o delírio e, por fim, o que se é e o que se pode ser.
Somente o contato com o Outro pode fazer o indivíduo escapar, mesmo que um pouco, de si mesmo. ‘Não creio que nascer e crescer em algum lugar imponha a condenação de uma única visão do mundo, nem que a terra ou a cartografia do Estado sejam a prisão de uma identidade’, lemos em certo ponto do livro.
A ficção científica se consolidou nos temas dos contatos e das identidades e este romance é a prova de que Larraquy sabe usá-los de forma habilidosa.
Rafael Ottati
Despre autor
Roque Larraquy (Buenos Aires, 1975) é um escritor e roteirista argentino. É autor, entre outros textos, dos romances La comemadre (2011), publicado pela Moinhos como Comemadre e traduzido para o inglês, alemão, francês, italiano, turco, russo, grego e persa, indicados ao USA National Book Awards e ao Best Translated Book Award em 2018; Informe sobre ectoplasma animal (2014), livro ilustrado do artista visual Diego Ontivero, traduzido para o inglês e italiano, e La telepatía nacional (2020), escolhido entre os dez melhores livros em espanhol de 2020 pelo The New York Times. Até 2022, foi diretor do Bacharelado em Letras da Universidade Nacional de Letras, o primeiro diploma universitário da Argentina dedicado à escrita artística.