‘Enfrentar o medo de se manifestar e, com coragem, confrontar o poder, continua a ser uma agenda vital para todas as mulheres’, escreve bell hooks no prefácio à nova edição de Erguer a voz. Na infância, a autora foi ensinada que ‘responder’, ‘retrucar’ significava atrever-se a discordar, ter opinião própria, falar de igual pra igual a uma figura de autoridade. Nesta coletânea de ensaios pessoais e teóricos, em que radicaliza criticamente a máxima de que ‘o pessoal é político’, bell hooks reflete sobre assuntos que marcam seu trabalho intelectual: racismo e feminismo, política e pedagogia, dominação e resistência. Em mais de vinte ensaios e uma entrevista, a autora mostra que transitar entre o silêncio e a fala é um gesto desafiador que cura, que possibilita uma nova vida e um novo crescimento ao oprimido, ao colonizado, ao explorado e a todos aqueles que permanecem e lutam lado a lado, rumo à libertação.
***
Meu primeiro encontro com Erguer a voz: pensar como feminista, pensar como negra aconteceu em 2015, durante o doutorado-sanduíche que realizei na Universidade de Colúmbia, em Nova York. Planejei ler o livro na biblioteca do campus, mas, logo nas primeiras páginas, fui me dando conta de que a narrativa me interpelava de tal maneira que era preciso estar em espaço privado. Fui pra casa. No meu quarto, pude chorar, respirar, voltar a ler, chorar de novo. As experiências narradas por bell hooks mesclavam-se às minhas: a dor pelo recente término de um longo casamento, a vergonha de revistar memórias da infância, a angústia com a escrita. Seu texto me tocou como uma espécie de convocatória: aprenda a usar sua voz por meio de um dizer comprometido com a liberdade humana.
Hoje percebo que Erguer a voz articula simultaneamente corpo (a voz), prática (a coragem) e ética (compromisso com a dignidade humana). Três dimensões fundantes nos projetos políticos feministas. Seguimos por essas trilhas. Publicado pela primeira vez em 1989, nos Estados Unidos, sob o título Talking Back: Thinking Feminist, Thinking Black, este é o primeiro livro de bell hooks em que, no âmbito acadêmico, ela radicaliza a máxima feminista de que o pessoal é político. Escrever sobre aspectos íntimos já era uma prática que bell hooks realizava em seus poemas, mas articular dimensões privadas às teorizações feministas foi, naquele momento, algo inédito em seu fazer como pensadora crítica.
Apesar da inegável singularidade da autora, o projeto político que atravessa sua narrativa informa sobre condições históricas das décadas de 1970 e 1980. Naquele contexto, nos Estados Unidos, intelectuais negras se empenhavam em produzir e publicar textos cujas abordagens tornavam visíveis as múltiplas experiências das mulheres negras, denunciando silenciamentos e ocultamentos. Revelando a atmosfera do período, bell hooks afirma: ‘recentemente, os esforços de mulheres negras escritoras para chamar a atenção para o nosso trabalho servem para sublinhar tanto nossa presença quanto nossa ausência’.
— Mariléa de Almeida, no prefácio à edição brasileira
Содержание
1. Erguer a voz
2. ‘Quando eu era uma jovem soldada da revolução’: encontrando a voz
3. Feminismo: uma política transformadora
4. Sobre autorrecuperação
5. Teoria feminista: uma agenda radical
6. Estudos feministas: questões éticas
7. Por uma pedagogia feminista revolucionária
8. Negra e mulher: reflexões sobre a pós-graduação
9. Sobre ser negra em Yale: educação como prática da liberdade
10. Ficando perto de casa: classe e educação
11. Violência em relacionamentos íntimos: uma perspectiva feminista
12. Feminismo e militarismo: um comentário
13. Pedagogia e compromisso político: um comentário
14. Politização feminista: um comentário
15. Superando a supremacia branca: um comentário
16. A homofobia em comunidades negras
17. O foco feminista nos homens: um comentário
18. ‘De quem é essa buceta’: um comentário feminista
19. A escrita de mulheres negras; criando mais espaço
20. Ain’t I a woman: olhando para trás
21. Escrevendo uma autobiografia
22. À Gloria, seja ela quem for: sobre usar um pseudônimo
23. Entrevista, por Yvonne Zylan
24. Mulheres negras e feminismo
Об авторе
bell hooks nasceu em 1952 em Hopkinsville, uma cidade rural do estado de Kentucky, no sul dos Estados Unidos. Batizada como Gloria Jean Watkins, adotou o nome pelo qual é conhecida em homenagem à bisavó, Bell Blair Hooks. Formou-se em literatura inglesa na Universidade de Stanford, fez mestrado na Universidade de Wisconsin e doutorado na Universidade da Califórnia. Seus principais estudos estão dirigidos à discussão sobre raça, gênero e classe e às relações sociais opressivas, com ênfase em temas como arte, história, feminismo, educação e mídia de massas. É autora de mais de trinta livros de vários gêneros, como crítica cultural, teoria, memórias, poesia e infantil.