Um escritor sob censura na antiga Tchecoslováquia vive como gari enquanto reflete sobre o amor e Kafka
Censurado pelo regime comunista, um escritor é obrigado a se empregar como gari nas ruas de Praga. Com esse ponto de partida, Ivan Klíma constrói Amor e lixo, em tradução direta do tcheco por Aleksandar Jovanović. Completa o volume uma entrevista concedida pelo autor ao americano Philip Roth em 1990.
Como seu personagem, Klíma viveu mais de duas décadas sem poder publicar – desde o silenciamento da Primavera de Praga pela ocupação soviética, em 1968, até a Revolução de Veludo, que encerrou o regime de partido único, em 1989. O livro se inicia no primeiro dia de trabalho, quando o protagonista conhece o grupo excêntrico de pessoas com quem compartilhará o ofício e mesas de bar. Como tarefa paralela, ele está às voltas com um ensaio sobre Franz Kafka e sua vida sentimental vive um impasse, dividindo-se entre a esposa, uma médica humanista, e a amante, uma temperamental escultora casada.
A narrativa se desenvolve no formato de uma colagem reflexiva – os dias de trabalho e amor são entremeados por alguns sonhos, lembranças de infância e muitas reflexões sobre Kafka.
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Ivan Klíma (1931) era criança quando a Tchecoslováquia foi invadida pela Alemanha, em 1938. Sua família não era religiosa, mas, por terem ascendência judaica, Klíma, sua mãe e seu irmão foram levados, em 1941, para o campo de concentração de Terezín, onde ficaria até 1945, quando o Exército Vermelho libertou a Tchecoslováquia da ocupação nazista. Em entrevista a Philip Roth publicada neste volume, Klíma disse: ‘Todo aquele que passou por um campo de concentração na infância — que já foi totalmente dependente de um poder externo que a qualquer momento pode entrar e espancá-lo, matá-lo, a ele e a todos que o cercam — provavelmente vive o resto da vida de um modo ao menos um pouco diferente das pessoas que foram poupadas desse tipo de formação. A vida é frágil como um barbante.’
Além da experiência em Terezín, Klíma vivenciou outro grande evento histórico do século XX, quando seu país caiu sob o controle soviético. Ele foi membro do Partido Comunista da Tchecoslováquia até a Primavera de Praga. Ao contrário de outros artistas tchecos dissidentes, que deixaram o país, Klíma quis continuar a morar ali, embora tivesse a escolha de se exilar, já que se encontrava em viagem aos Estados Unidos no momento do esmagamento das manifestações pró-democracia. A partir de então, suas obras passaram a circular apenas em samizdats (publicações clandestinas) e vieram situações amargas, como a prisão de seu pai por motivos políticos. Durante esse período, alguns dos livros de Klíma foram publicados apenas no exterior, algumas vezes na língua original.