Na Poética, 1449, 5, Aristóteles fala brevemente sobre o cômico: ’A comédia é a imitação de homens de qualidade moral inferior, não em toda espécie de vício, mas no domínio do ridículo, que é uma parte do feio. Porque o ridículo é uma feiura sem dor nem dano; assim, por exemplo, a máscara cômica é feia e disforme sem expressão de dor’. O trecho refere o feio em geral, aiskhrón, para especificar um subgênero dele, gheloion, que a latinidade e autores dos séculos XVI, XVII e XVIII chamaram de ridiculum, ridículo. O exemplo da máscara teatral sintetiza dois elementos que definem o feio: a deformação inofensiva, que é tratada ironicamente como gheloion, ridículo; a deformação nociva, tratada agressivamente com psógos, maledicência. Nos dois casos, a definição do cômico como deformação pressupõe o conceito grego e latino do belo-bom como unidade racional sem deformação e mistura. Sensivelmente, a feiura é deformação do belo-bom; moralmente, é vício e, intelectualmente, erro. A matéria geral dos poemas cômicos do Códice Asensio-Cunha é a feiura física, do corpo, e a feiura moral, da alma. A feiura do corpo corresponde a inumeráveis espécies de deformações e misturas; a da alma divide-se em duas, estupidez e maldade. Nos poemas, a feiura física metaforiza a feiura moral de vícios fracos, ridicularizados, e vícios fortes, vituperados com maledicência.
Om författaren
João Adolfo Hansen
Professor titular de literatura brasileira no Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Autor de estudos sobre as letras luso-brasileiras dos séculos XVI, XVII e XVIII e literaturas modernas.
Marcello Moreira
Professor titular de literatura brasileira da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. Pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Memória: Linguagem e Sociedade da UESB. Especialista em letras luso-brasileiras.