Em Rinha de galos, seu primeiro livro de contos, a equatoriana María Fernanda Ampuero seleciona um texto do poeta argentino Fabián Casas como epígrafe para, de alguma maneira, antecipar o que virá nas páginas seguintes: ’Tudo que apodrece forma uma família’. Este é um livro sobre os laços e sua brutalidade quando se rompem, quando são atravessados pela perversão; um livro sobre como o espaço familiar, que deveria ser de proteção e segurança, é, em muitos casos, o lugar no qual se concretizam as violências mais indescritíveis, aquelas que deixam cicatrizes permanentes. ’À noite, galos gigantes, vampiros, devoravam minhas tripas, eu gritava, e ele vinha à minha cama e voltava a me chamar de mulherzinha’, escreve em ’Leilão’, o primeiro e chocante relato, que põe em primeiro plano o corpo e sua vulnerabilidade. Nestes contos há mulheres e meninas que assistem a filmes de terror para se acostumar a lidar com monstros; salta à vista a terrível desigualdade do Equador, que se replica em toda a América Latina; a vida cotidiana é interrompida, atacada por uma violência generalizada. As relações de poder são reproduzidas no lar: talvez a crueldade seja a norma nos contos de Rinha de galos porque Ampuero a conhece e a entende, porque sua escrita tem uma íntima relação com a beleza e a violência.
Mariana Enriquez
Om författaren
María Fernanda Ampuero (Equador, 1976) escreve narrativa de ficção e de não-ficção. Possui trabalhos publicados em inglês, francês, chinês, dinamarquês, alemão, português e italiano. Seu último livro, Pelea de Gallos (Páginas de Espuma, Madrid, 2018), foi um dos dez livros do ano do The New York Times en Español e já foi traduzido para vários idiomas. É uma das escritoras latinoamericanas mais importantes dos últimos anos, de acordo com a revista Gatopardo. Pelea de Gallos recebeu o prêmio Joaquín Gallegos Lara 2018 como melhor livro de contos do ano. Em 2012, foi selecionada como uma das 100 latinos mais influentes da Espanha, país em que vive desde 2005.