É possível adoecer de um país? Durante as sessões de psicanálise que formam os capítulos deste livro incisivo, os dramas íntimos cedem lugar no divã a desilusões políticas dolorosas. As disfunções da vida pública viram aqui um problema pessoal dos mais agudos, a ponto de ameaçarem a saúde mental do angustiado e queixoso analisando criado por Wilson Alves-Bezerra. Motivos de reclamação não faltam, e é possível que muitos sejam compartilhados pelos leitores deste livro. Ficção à maneira de um desabafo, flertando às vezes com a imprecação, Vapor barato remói com amargor assumido os acontecimentos da história recente do Brasil. Em sua prosa encrespada, transtornada com o país que chama ironicamente de ‘Esmerilhândia’, o protagonista do livro oscila entre abatimento e fúria, melancolia e surto. Mesmo naqueles momentos em que seu personagem extravasa sua raiva de modo mais direto, porém, Alves-Bezerra não oferece ao leitor qualquer tipo de catarse. Quanto mais desfia sua contrariedade, mais a fala ácida que se desdobra aqui parece girar em falso. O leitor vira as páginas, mas tem a sensação de ser lançado a cada vez de volta ao mesmo lugar. Nessa prosa que se volta de modo insistente e aflitivo sobre si mesma, o autor sugere uma figuração possível para um país condenado à repetição sintomática. É sobretudo esse sintoma de dimensões continentais que não para de se repetir aqui, produzindo a certa altura um efeito insólito de desorientação temporal. Nem sempre é fácil dizer se aquilo que se lê diz respeito ao passado recente, àquilo que vai acontecendo naquele mesmo instante ou à imaginação de um futuro distópico. A indistinção entre fantasia e realidade deixa então de ser um problema interno à história que acompanhamos para tocar de modo perturbador nossa própria leitura.
Miguel Conde
เกี่ยวกับผู้แต่ง
Sobre o autor
Wilson Alves-Bezerra é escritor, tradutor e crítico literário. De seus livros, Vertigens (poemas, Iluminuras, 2015) recebeu o Prêmio Jabuti na categoria Poesia; O Pau do Brasil (poemas, Urutau, 2016) foi publicado em Portugal; e Histórias zoófilas e outras atrocidades (contos, EDUFSCar / Oitava Rima, 2013) está sendo lançado no Chile, com o título Cuentos de zoofilia, memoria y muerte (LOM, 2018). Wilson traduziu autores latino-americanos como Horacio Quiroga (Contos da Selva, Cartas de um caçador, Contos de amor de loucura e de morte, todos pela Iluminuras) e Luis Gusmán (Pele e Osso, Os Outros, Hotel Éden, ambos pela Iluminuras). Sua tradução de Pele e Osso, de Luis Gusmán, foi finalista do Prêmio Jabuti 2010, na categoria Melhor tradução literária espanhol-português. É autor dos seguintes ensaios: Reverberações da fronteira em Horacio Quiroga (Humanitas/FAPESP, 2008) e Da clínica do desejo a sua escrita (Mercado de Letras/FAPESP, 2012). Publicou ainda a coletânea de resenhas Páginas latino-americanas (EDUFSCAR / Oficina Raquel, 2016).