Memórias do subsolo é um pequeno romance publicado em 1864. Considerada uma obra precursora do existencialismo e da psicanálise, traz na primeira parte o monólogo de um homem amargurado e amargo, um homem ‘subterrâneo’, sem nome ou relações sociais, um empregado aposentado, em cuja própria existência não vê nenhum sentido, e que se dirige diretamente ao leitor.
Tenta envolvê-lo, convencê-lo e comovê-lo com hipóteses sobre si mesmo e sua possível redenção, talvez via a ação, nem que seja fazer o mal − para afinal concluir que ‘o melhor é não fazer nada’. Na segunda parte, numa espécie de ‘fluxo de consciência’ (técnica narrativa que seria mais tarde levada ao limite por Joyce), surgem as duras lembranças de situações e discursos que, numa sociedade hierarquizada, submetem e emparedam os ‘humilhados e ofendidos’.
‘Todo homem tem algumas lembranças que ele não conta a todo mundo, mas apenas a seus amigos. Ele tem outras lembranças que ele não revelaria nem mesmo para seus amigos, mas apenas para ele mesmo, e faz isso em segredo. Mas ainda há outras lembranças em que o homem tem medo de contar até a ele mesmo, e todo homem decente tem um considerável numero dessas coisas guardadas bem no fundo. Alguém até poderia dizer que, quanto mais decente é o homem, maior o número dessas coisas em sua mente’.
Yazar hakkında
Fiódor Mikháilovitch Dostoiévski (1821-1881) é possivelmente o nome mais emblemático da literatura russa. Nascido em Moscou, desde cedo demonstra interesse pelos livros, lendo não apenas os autores russos, mas ingleses, alemães e franceses. Abatido com a morte súbita da mãe em 1837, abandona pouco depois a escola e ingressa no Instituto de Engenharia Militar de Nikolayev, onde se forma e passa a trabalhar como engenheiro. Para complementar a renda, começa a traduzir nas horas vagas. O grande sucesso de seu romance de estreia, ‘Gente pobre’, de 1844, permite-lhe participar dos círculos literários de Moscou. Em 1849, foi preso e condenado à morte por sua participação no Círculo de Petrashevsky, espécie de sociedade secreta de aspirações utópicas e liberais, onde se discutia literatura também. A prisão revelou-se uma farsa destinada a assustar os integrantes do círculo e sua pena foi comutada para trabalhos forçados na Sibéria. Durante esse período, seus surtos de epilepsia se tornam cada vez mais frequentes. Ao retornar do exílio, foi aos poucos reconstruindo sua reputação de grande escritor, consolidada com a publicação dos romances ‘Crime e castigo’, ‘O idiota’ e ‘Os irmãos Karamázov’.
O legado de sua obra, marcado por um exame minucioso da condição humana e dos recessos mais sombrios da alma, é composto por romances, novelas, contos e ensaios. Faleceu em São Petersburgo, a 28 de janeiro de 1881.