Poucos autores foram tão lidos, comentados e traduzidos ao longo dos últimos cem anos quanto Paul Valéry. Contudo, só agora chega ao Brasil uma tradução completa dos seus Feitiços. Trata-se de uma obra que, após a experiência radical de A jovem parca, flutua entre diversas possibilidades poéticas que produziriam obras-primas como ‘O cemitério marinho’, um dos mais famosos poemas do século XX, e outros tantos como ‘Esboço de serpente’, ‘A Pítia’, ‘Fragmentos do Narciso’, ‘Os passos’.
Muitos desses poemas já haviam sido traduzidos isoladamente, mas a visão de conjunto permite sopesar o alcance da estratégia antimoderna de Valéry. Ao resgatar o artesanato do verso, ele buscava também abarcar outros modos de vida esquecidos pela tábula rasa da modernidade: a relação com a natureza, a vida dos seres míticos, o modo de existência da linguagem, a hesitação prolongada entre o som e o sentido que fecundam outros modos de sensibilidade e outras maneiras de habitar o tempo.
Claro que ao longo dos poemas, será impossível o leitor não perceber o quanto a poesia de Valéry reverbera e ressignifica a fineza de sua prosa, que ocupa parte importante do seu legado. Mas é interessante notar que Valéry é desde o início poeta, sim, um poeta que levou tão a fundo as questões do seu ofício que tocou em uma infinidade de outras questões: da guerra à cosmologia, da linguagem à política, da vida sensível ao pensamento abstrato. Tudo entra em ressonância quando levamos ao limite a potência dos nossos atos.
Mesmo para aqueles que ainda guardam a imagem de um Valéry intelectual, será interessante passear pelo ritmo dos afetos e das sensações que fluem como o mar entre o imaginário mediterrâneo e um forte de diálogo com séculos de poesia europeia. Recolhe-se aqui um savoir-vivre das variações do espírito quando este, longe de uma pureza abstrata, se coloca entre o corpo e o mundo.
Para os tradutores, aqui reverbera também uma larga tradição poética brasileira que tem entre os seus precursores figuras do porte de Drummond, João Cabral e Augusto de Campos, entre tantos outros notáveis valerianos. É no diálogo com eles que esses poemas vieram até nós, como uma experiência viva que habita a raiz da palavra ‘feitiço’: como um fazer, uma prática, uma técnica, mas que é atravessada pelo encanto, pelo canto, pela magia, pela capacidade de animar o mundo com outras infinitas camadas de existência.
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Sumário
VISITA GUIADA AOS FEITIÇOS DE PAUL VALÉRY, 13
Roberto Zular
Álvaro Faleiros
Feitiços [Charmes]
Aurore
Aurora, 27
Au Platane
Ao Plátano, 37
Cantique des colonnes
Cântico das colunas, 45
L’Abeille
A abelha, 53
Poésie
Poesia, 55
Les Pas
Os passos, 59
La Ceinture
A cintura, 61
La Dormeuse
Aquela que dorme, 63
Fragments du Narcisse
Fragmentos do Narciso, 65
I
I, 65
II
II, 77
III
III, 87
La Pythie
A Pítia, 91
Le Sylphe
O Silfo, 115
L’Insinuant
O insinuante, 117
La Fausse Morte
A falsa morta, 119
Ébauche d’un serpent
Esboço de serpente, 121
Les Grenades
As romãs, 153
Le Vin perdu
O vinho perdido, 155
Intérieur
Interior, 157
Le Cimetière marin
O cemitério marinho, 159
Ode secrète
Ode secreta, 173
Le Rameur
O remador, 177
Palme
Palma, 181
SITUAÇÃO DE VALÉRY NO BRASIL, 191
Roberto Zular
Álvaro Faleiros
RESSONÂNCIAS FEITICEIRAS, 231
Tiganá Santana
CRONOLOGIA DE PAUL VALÉRY, 239
Yazar hakkında
Paul Valéry (1871-1945) foi um dos mais importantes escritores franceses do século XX. Poeta amplamente reconhecido, fez da poesia um microcosmo que lhe permitiu entrecruzar os mais diversos campos do saber (poética, linguística, psicologia, política, física, biologia) e os mais variados meios de escrita (poemas, ensaios, traduções, peças, diálogos). Sua obra secreta, os cadernos, são o testemunho das dores e alegrias de uma vida que recusou a banalidade e a violência do mundo, partindo em busca de outras formas de pensamento e de outros modos de existência.