Um casal separado há não muito tempo se reencontra na pequena cidade francesa de Évreux por ocasião da formalização de seu divórcio. Reunidos no salão de um hotel que evoca a lembrança de sua vida de casados, eles sabem que se veem pela última vez. De início, Anne-Marie Roche e Michel Nollet se dirigem um ao outro com muitas formalidades e certo pragmatismo. Pouco a pouco, no entanto, abandonam a segurança protocolar e adentram o terreno obscuro, amedrontador e irrepresentável de um amor que se reaviva e, ao mesmo tempo, vai se revelando insustentável. A tensão entre os protagonistas cresce pouco a pouco, atingindo seu ápice em momentos explosivos, o que torna ainda mais palpável e densa a ligação entre o antigo casal. Escrita inicialmente sob encomenda da televisão britânica para compor um dos episódios da série ‘Love Story’, a obra ‘La Musica’ estreou como peça de teatro em 1965 e ganhou, ainda no mesmo ano, sua primeira versão em livro, num conjunto com outras duas peças de Marguerite Duras. Em 1967, o texto foi adaptado para o cinema, sob direção da própria autora. Vinte anos depois da publicação, em 1985, enquanto eram ensaiadas leituras de alguns textos de Duras – dentre os quais, ‘La Musica’ –, Sami Frey, um dos atores presentes, propôs à autora a montagem da peça com algumas variações. Dessa proposta originou-se ‘La Musica segunda’, que poderia quase ser considerada uma nova peça – segundo a própria autora: ‘E mais ou menos durante esse tempo todo eu desejei esse segundo ato’. Mais do que uma repetição variada do original, ‘La Musica segunda’ é formada por dois atos muito diferentes: o primeiro baseia-se em um diálogo mais tradicional, enquanto o segundo tende a ofuscar a individualidade dos dois personagens e a acentuar o lirismo do texto, intensificando tanto as faíscas de amor quanto as sutilezas entre os protagonistas. ‘La Musica segunda’ estreou em 1985, após um mês e meio de ensaio, sendo pouco depois publicada. Pela primeira vez, as duas peças são lançadas em livro no Brasil, num esforço de apresentar ao público brasileiro a faceta de Marguerite Duras como dramaturga, destacando sua contundente relação com o teatro.
Про автора
Nascida em 4 de abril de 1914 em Gia Dinh, perto de Saigon (Cochinchina), hoje Vietnã, Marguerite Duras radicou-se definitivamente em Paris aos 19 anos, e logo começou os estudos em Direito e Ciências Políticas. Atuou em diversas frentes ao longo de sua vida: foi romancista, novelista, poeta, roteirista, diretora de cinema e de teatro, além de dramaturga. Ao longo de sua trajetória, Duras construiu uma obra que refletiu sobre si mesma e sobre a existência humana, acompanhada de elementos como: memória, linguagem, passagem do tempo, encontros e interações entre os sujeitos.
Pertencendo ao mesmo caldo cultural de onde surgiram Edgar Morin, Jean-Luc Godard e Alain Resnais, com quem colaborou sendo a roteirista de Hiroshima mon amour, Duras foi importante figura para o cenário cultural e político de seu tempo. Após ter trabalhado para o Serviço de Informação do Ministério das Colônias, em 1938, e de ter escrito um livro que louvou a colonização francesa, em 1939-40, Duras aderiu a outra plataforma política. Em 1945, filiou-se ao Partido Comunista, após ter participado da resistência francesa, que se opunha à ocupação nazista na França. Mais tarde, seria expulsa do partido por ‘má conduta’, comentário de cunho moral que julgava a vida íntima da autora.
Numa crítica à moralidade e ao projeto cultural europeu, fazendo da loucura, do vazio e do amor plataforma para explorar o humano, Duras deu forma a um universo singular. Por meio dele, navegava pelo tema da liberdade, pensava sobre modelos de linguagem e refletia sobre a vivência das mulheres, sendo múltipla, polifônica e avant-garde. Marguerite Duras faleceu aos 81 anos de idade, em 3 de março de 1996. A escritora está sepultada no cemitério de Montparnasse, em Paris.