Em ritmo de aventura policial com ares cinematográficos, romance incensado por Susan Sontag acompanha investigação de crime na URSS de Stálin
Para a ensaísta Susan Sontag, em O caso Tuláiev, ‘vidas inteiras são retratadas e cada uma delas poderia render um romance’. O livro de Victor Serge (1890-1947) se passa na União Soviética dos anos 1930, sob Josef Stálin, o período do Grande Terror, com sua lógica de brutalidade e extermínio da oposição. Serge — belga e filho de russos — experimentou pessoalmente essa fase do comunismo soviético. Escreveu O caso Tuláiev no calor da hora e sem meias palavras. Como lembra Sontag no posfácio do livro, ‘Serge foi o primeiro a chamar a União Soviética de Estado 'totalitário' numa carta que escreveu a amigos em Paris na véspera de sua prisão em Leningrado, em fevereiro de 1933’.
O enredo começa em 1936, com o assassinato fortuito e não planejado de Tuláiev, membro do Comitê Central do Partido Comunista e responsável por deportações em massa e expurgos universitários. O incidente faz soar um alarme paranoico entre as hostes do regime, e o romance desenha uma rede burocrática e policial de personagens movidos por medo ou oportunismo, com uma importante conexão na Guerra Civil Espanhola.
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Victor Serge era o pseudônimo de Victor Lvovich Kibalchich, nascido na pobreza em Bruxelas, de pais russos que haviam se exilado por serem suspeitos de simpatizar com o grupo terrorista que matou o czar Alexandre II (1881). Aos 15 anos, Serge aderiu à Juventude do Partido dos Trabalhadores Belgas, mas em pouco tempo havia abraçado o anarquismo e passou a frequentar uma comuna nos arredores da capital, onde aprendeu artes gráficas. Começou a publicar artigos em 1908 e no ano seguinte mudou-se para Paris. Em 1913 Serge foi condenado a uma cela solitária por suposta conspiração. A revolução de 1917 provocou seu entusiasmo, o que o levou a abandonar as ideias anarquistas. Serge chegou à União Soviética em 1919, depois de libertado numa troca de prisioneiros entre os governos da França e da Rússia.
Aderiu aos bolcheviques, travou amizade com o escritor Maksim Górki e trabalhou diretamente com Grigori Zinóviev, criador da Internacional Comunista (Komintern). Em pouco tempo Serge passou a ser um crítico severo dos rumos que o regime estava tomando e em 1923 uniu-se à Oposição de Esquerda de Leon Trótski, uma relação fundamental em sua vida. Mesmo tendo rompido com Trótski por divergências políticas anos depois, Serge viria a escrever uma biografia do líder revolucionário em parceria com sua viúva, Natalia Sedova (Vida e morte de Leon Trótski, 1946).
Serge foi expulso do PC em 1927 e, depois de sucessivas prisões, foi enviado para o exílio interno em Orenburgo. Segundo Sontag, o autor foi o primeiro a representar o sistema prisional soviético (Gulag) num romance, Meia-noite no século (1939). Ele escapou da execução graças à pressão de escritores estrangeiros, como os franceses André Gide e Romain Rolland, e foi expulso da União Soviética em 1936, sem poder levar consigo seus escritos. Em 1940, com a invasão nazista, Serge deixou Paris com filho e nora e empreendeu uma longa fuga que terminou em 1941 no México. Com a saúde debilitada e na pobreza, Serge morreu de um ataque cardíaco dentro de um táxi na Cidade do México em 1947, aos 57 anos, deixando numa gaveta os originais de Memórias de um revolucionário.