Citam-se aqui os Cahiers du Cinéma através de duas fontes principais. Uma delas é a versão digitalizada da coleção completa da revista, disponibilizada em seu site pelo atual detentor dos direitos, que, desde 2008, não é mais o grupo Le Monde, que os havia adquirido da primeira editora, a Édition de l´Étoile, mas a tradicional editora de livros de arte Phaidon. A outra fonte é a coletânea em dois volumes Jean-Luc Godard par Jean-Luc Godard, organizada por este eterno perseguidor de Godard que é o crítico e professsor francês Alain Bergala, que seleciona e estabelece o principal das contribuições críticas godardianas dos anos 1950-1984 e 1984-1998. O recurso à antologia de Bergala rende, aqui, por vezes, citações ‘apud’, o que se explica. Seja pelo estilo suntuoso, seja pela proporção do corpus em que se constitui, já que Godard segue escrevendo depois de passar à realização, o conjunto da obra do cineasta de À bout de souffle é de tirar o fôlego. Incluem-se aí as muitas entrevistas em que essa crítica continua, já que Godard é também um intenso pensador oral.
Os títulos dos filmes da Nouvelle Vague e daqueles outros filmes que integram o cânone da escola são aqui sempre citados no original. Os títulos brasileiros, quando existem, estão relacionados em apêndice.
Isso resolve grandes e pequenos problemas. Problema menor: se a tradução ‘Acossado’ para ‘À bout de souffle’ (literalmente: no limite do fôlego) encerra um perfeito comentário acerca da alma do herói em fuga de Godard, deixa intocada as insinuações vanguardistas dessa fórmula-manifesto. De fato, o famoso enunciado também se refere ao esgotamento das artes, principalmente, ao envelhecimento do romance realista, muito prezado pelo cinema francês da ‘Tradição da Qualidade’, que vive de adaptá-lo prudentemente, tendência que os Cahiers desocultarão. Mas os realizadores saídos da escola dos Cahiers sentem-se igualmente retardatários em relação ao próprio cinema, quando o interceptam, nos meados do século XX, vendo-o já sem força. Desse modo, é também de um certo ‘regret’ (saudade, nostalgia) do cinema, na expressão mesma de Godard crítico, que ‘à bout de souffle’ fala. Tudo isso fica perdido na tradução.
‘Barthes em Godard’ inspira-se no título de um livro de Éric Rohmer musicólogo: De Mozart em Beethoven. Ensaio sobre a noção de profundidade na música (1998). Barthes foi um crítico musical extremamente atuante, como é bem sabido, e a erudição musical de Godard deixa-se apreciar em muitos de seus filmes – por exemplo, em Prénom Carmem, em que tudo se passa ao som de quartetos de Beethoven –, mesmo que seja jazzística a trilha sonora de seu primeiro e mais cultuado longa- metragem. Se é principalmente a pintura que os guia a ambos em sua verificação apaixonada do poder de convicção de certas imagens – sendo esta revolta lógica uma de suas cumplicidades ocultas aqui perseguidas –, a música não pode deixar de interessá-los já que as imagens que contam,
关于作者
Leda Tenório da Motta é professora no Programa de Comunicação e Semiótica da PUC-SP, pesquisadora do CNPq, tradutora e crítica literária com passagem pelos mais importantes cadernos de cultura brasileiros. Estudou na França com Roland Barthes, Gérard Genette e Julia Kristeva. Teve o teórico de cinema Christian Metz em sua banca de Doutorado, realizado na Universidade de Paris VII, e o psicanalista Serge Doubrovski, autor de estudos proustianos clássicos, na banca do Mestrado, realizado na École des Hautes Études en Sciences Sociales. Formando-se sob a influência dessa escola de semiólogos, que primou por tratar como discurso os fatos da cultura e das artes, e particularmente interessada pelos temas de Barthes, dedica-se à crítica, inclusive cultural, mais particularmente, à questão da contracomunicação dos textos poéticos, à mitologia dos discursos publicitários e aos estatutos semióticos da fotografia. Na linha de Kristeva, trabalha também com a psicanálise, realizando, com amparo institucional, uma pesquisa de longo espectro sobre a gênese literária do pensamento de Lacan, notadamente sobre as relações de Lacan com as vanguardas francesas do início do século XX. Em paralelo, estuda a obra crítica de Haroldo de Campos, a quem dedicou recentemente o volume Céu Acima- Para um tombeau de Haroldo de Campos, primeiro balanço da trajetória haroldiana a mobilizar a universidade brasileira.Em 1990, realizou, em parceria com Augusto Massi, o colóquio nacional Artes e Ofícios da Poesia, que recebeu o Prêmio da Associação Paulista dos Críticos de Arte para a categoria Produção Cultural. Traduziu para o português do Brasil, entre outros, Máximas e reflexões morais de La Rochefoucauld, O Spleen de Paris de Baudelaire, Métodos de Francis Ponge e Histórias de amor de Julia Kristeva. Tem nove livros publicados, entre eles, Proust- A violência sutil do riso (Perpsectiva 2007), Prêmio Jabuti 2008 na categoria Teoria e Crítica Literária. Em 2011 lançou Roland Barthes- Uma biografia intelectual (Iluminuras & FAPESP), o primeiro trabalho individual de autor a debruçar-se sobre o importante crítico.