O país do futuro não se realizou. Eis o tema da antologia Brasil: uma biografia não autorizada, na qual o leitor encontrará uma síntese da produção intelectual mais recente de Francisco de Oliveira, que analisa o Brasil em suas particularidades e contradições. Entre outros escritos do autor, o livro inclui um longo ensaio histórico sobre a formação do país e o artigo em que se deu a gênese do conceito de ‘hegemonia às avessas’ para tratar do momento político iniciado na fase lulista.
A obra reconstitui o itinerário de um sociólogo e economista que produziu uma obra indissociável da realidade social que viveu e se dispôs a desvendar e a transformar. A pena e a voz polêmica do autor pernambucano também retomam a época da criação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), da resistência à ditadura nos áureos tempos do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e da imprensa alternativa e da construção do Partido dos Trabalhadores, além dos governos eleitos de seus amigos Fernando Henrique Cardoso e Lula, que posteriormente o decepcionaram, ao abençoar o ‘eterno casamento entre o atrasado e o avançado’ que caracterizaria o capitalismo brasileiro.
Com a verve polêmica de sempre, Oliveira nos convida a encarar o que restou do ‘país do futuro’, num momento em que a hipótese de uma superação do subdesenvolvimento não está mais em questão sem que, em seu lugar, uma nova rota de acesso à modernidade democrática esteja em vista. Na apresentação, Fabio Mascaro Querido e Ruy Braga traçam uma breve biografia do autor, destacando momentos importantes de sua trajetória intelectual em relação ao próprio contexto brasileiro. A orelha é de Marcelo Ridenti.
关于作者
Francisco de Oliveira, um dos mais importantes sociólogos brasileiros, é professor titular aposentado de sociologia da Universidade de São Paulo, diretor do Centro de Estudos dos Direitos da Cidadania da USP e autor de vasta obra. Leia abaixo, a homenagem feita a ele por Roberto Schwarz, por ocasião do concurso de ‘Chico’ para professor titular da USP: Além de muito bons, os ensaios de Chico de Oliveira sobre a atualidade política são sempre inesperados. Isso porque refletem posições adiantadas, de que no fundo não temos o hábito, embora as aprovemos da boca para fora. A começar pelo seu caráter contundente, e nem por isso sectário, o que a muitos soa como um despropósito. Faz parte da fórmula dos artigos de Chico a exposição de todos os pontos de vista em conflito, sem desconhecer nenhum. Mas então, se não é sectário, para que a contundência? A busca da fórmula ardida não dificulta a negociação que depois terá de vir? Já aos que apreciam a caracterização virulenta o resumo objetivo dos interesses contrários parece supérfluo e cheira a tibieza e compromisso. Mas o paradoxo expositivo no caso não denota motivos confusos. Na verdade ele expressa adequadamente as convicções de Chico a respeito da forma atual da luta de classes, a qual sem prejuízo da intensidade não comporta a aniquilação de um dos campos. Em várias ocasiões Chico acertou na análise quase sozinho, sustentando posições e argumentos contrários à voz corrente na esquerda. O valor desta espécie de independência intelectual merece ser sublinhado, ainda mais num meio gregário como o nosso. Aliás, o desgosto pela tradição brasileira de autoritarismo e baixaria está entre os fatores da clarividência de Chico. Assim, como não abria mão de levar em conta o que estava à vista de todos, o seu prognóstico sobre o governo Collor foi certeiro, antes ainda da formação do primeiro ministério[1]. Também a sua crítica ao plano Cruzado, publicada em plena temporada dos aplausos, foi confirmada pouco depois[2].Nos dois casos Chico insistia numa tese que lhe é cara, segundo a qual a burguesia brasileira se aferra à iniciativa unilateral e prefere a desordem ao constrangimento da negociação social organizada. Ainda neste sentido, quando tudo leva a culpar o atraso de Alagoas pelos descalabros de Collor, Chico explica o ‘mandato destrutivo’ que este recebeu da classe dominante ‘moderna’, aterrorizada com a hipótese de um metalúrgico na presidência. O marxismo aguça o senso de realidade de alguns, e embota o de outros. Chico evidentemente pertence com muito brilho ao primeiro grupo. Nunca a terminologia do período histórico anterior, nem da luta de classes, do capital ou do socialismo lhe serve para reduzir a certezas velhas as observações novas. Pelo contrário, a tônica de seu esforço está em conceber as redefinições impostas pelo processo em curso, que é preciso adivinhar e descrever. Assim, os meninos vendendo alho e flanela nos semáforos não são a prova do atraso do país, mas de sua forma atroz de modernização. Algo análogo vale para as escleroses regionais, cuja explicação não está no imobilismo dos tradicionalistas, mas na incapacidade paulista para forjar uma hegemonia modernizadora aceitável em âmbito nacional. Chico é um mestre da dialética. – Roberto Schwarz, Artigo-homenagem de 1992, escrito por ocasião do concurso de Francisco de Oliveira para professor titular da USP, e transcrito ‘sem prejuízo das ironias que o tempo acrescentou’ como ‘adendo’ ao ‘Prefácio com perguntas’ de Roberto Schwarz em Crtítica à razão dualista / O ornitorrinco.